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A luz dourada lambe as pedras do Arpoador como se o sol quisesse eternizar aquele instante.
O mar segue seu vaivém ancestral, indiferente às urgências do relógio.
E ali, na beirada do mundo, um homem parado.
Não fisicamente — mas dentro.
Parado no tempo. Parado por dentro.
E então me pergunto:
Por que paramos, se a única coisa que o tempo faz… é não parar?
Paramos no amor que partiu sem fechar a porta.
Paramos na juventude que agora só existe em retrato filtrado.
Paramos no “ano mágico” que virou prisão nostálgica.
Paramos no medo. No luto. No arrependimento.
Somos seres de pausa, mesmo num universo que não para de girar.
Nietzsche, com seu olhar de abismo, diria que isso é nossa tragédia: o apego ao que já morreu. Somos especialistas em ressuscitar o passado — mas desajeitados quando se trata de viver o presente. Já Espinosa sussurra que o verdadeiro milagre é continuar desejando, mesmo depois de tanta queda. Porque quem deseja ainda está vivo. E há nisso uma beleza melancólica, como no samba que precisa de um bocado de tristeza pra ser belo.
Como escreveu Vinicius: "fazer samba não é contar piada. O bom samba é uma forma de oração."
A vida também.
O problema é que confundimos memória com moradia.
A lembrança deveria ser visita, não endereço fixo.
Kierkegaard já alertava: “a vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para frente.” Só que a gente esquece.
E começa a viver de replays emocionais, maratonando dores antigas como se o sofrimento nos desse alguma sensação de pertencimento.
No fundo, o que a alma quer não é voltar no tempo.
É tocar o tempo.
É ser tocada por ele.
Como quem encosta o corpo em outro corpo e sente o calor de estar vivo.
E nesse sentido, o tempo é um bom carioca.
Sabe driblar, sambar, passar adiante. Não se apega.
O tempo, se tivesse endereço, moraria no Arpoador — entre a pedra, a onda e o instante.
E ele nos convida: venha leve. Venha solto. Venha agora.
Talvez seja hora de aprender com o mar.
Ele também perde ondas.
Mas não para por isso.
Idalo Spatz