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Padrão de rocha em camadas
  • há 3 dias
  • 2 min de leitura

A luz dourada lambe as pedras do Arpoador  como se o sol quisesse eternizar aquele instante.

O mar segue seu vaivém ancestral, indiferente às urgências do relógio.

E ali, na beirada do mundo, um homem parado.

Não fisicamente — mas dentro.

Parado no tempo. Parado por dentro.

E então me pergunto:

Por que paramos, se a única coisa que o tempo faz… é não parar?

Paramos no amor que partiu sem fechar a porta.

Paramos na juventude que agora só existe em retrato filtrado.

Paramos no “ano mágico” que virou prisão nostálgica.

Paramos no medo. No luto. No arrependimento.

Somos seres de pausa, mesmo num universo que não para de girar.

Nietzsche, com seu olhar de abismo, diria que isso é nossa tragédia: o apego ao que já morreu. Somos especialistas em ressuscitar o passado — mas desajeitados quando se trata de viver o presente. Já Espinosa sussurra que o verdadeiro milagre é continuar desejando, mesmo depois de tanta queda. Porque quem deseja ainda está vivo. E há nisso uma beleza melancólica, como no samba que precisa de um bocado de tristeza pra ser belo.

Como escreveu Vinicius: "fazer samba não é contar piada. O bom samba é uma forma de oração." 

A vida também.

O problema é que confundimos memória com moradia.

A lembrança deveria ser visita, não endereço fixo.

Kierkegaard já alertava: “a vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para frente.” Só que a gente esquece.

E começa a viver de replays emocionais, maratonando dores antigas como se o sofrimento nos desse alguma sensação de pertencimento.

No fundo, o que a alma quer não é voltar no tempo.

É tocar o tempo.

É ser tocada por ele.

Como quem encosta o corpo em outro corpo e sente o calor de estar vivo.

E nesse sentido, o tempo é um bom carioca.

Sabe driblar, sambar, passar adiante. Não se apega.

O tempo, se tivesse endereço, moraria no Arpoador — entre a pedra, a onda e o instante.

E ele nos convida: venha leve. Venha solto. Venha agora.

Talvez seja hora de aprender com o mar.

Ele também perde ondas.

Mas não para por isso.

 

                                 Idalo Spatz

 
  • 14 de ago.
  • 2 min de leitura

É no balanço sereno da areia do Arpoador que, às vezes, a gente encontra respostas para perguntas que parecem simples — mas carregam a densidade do oceano.

“Bons encontros”.

À primeira vista, soa como pleonasmo. Como dizer “subir pra cima” ou “sorrir feliz”. Um excesso permitido pela língua — e pela alma — pra dar ênfase. Porque, no fundo, a gente sabe: nem todo encontro é bom. Nem toda travessia é ponte.


A luz da tarde, esvaindo-se em aquarela sobre o céu do Rio, nos convida a pensar com mais vagar. Um encontro, na sua essência, é o entrelaçar de caminhos.

O toque breve — ou profundo — entre duas existências. Como dizia Vinicius, com a delicadeza que só os poetas sustentam:

“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.”

E como há.

Há encontros que não somam — subtraem.

Há encontros que ferem, que rasgam o que deveria acolher.

Encontros que, em vez de expansão, nos contraem.

Esses, talvez, não sejam trágicos. Mas são opacos. Não nos elevam, nem nos devolvem a nós mesmos. São como maré contrária: exigem esforço, desgastam o corpo e confundem a rota.

O Tao ensina que o fluxo natural é suave, sem atrito. Bons encontros fluem — os demais, resistem. São quedas de energia, pontos cegos na travessia da alma.

 

Nietzsche, com sua lucidez incendiária, talvez sorrisse com desdém e dissesse: “O que não nos mata, nos fortalece.” Talvez. Ou talvez só nos cale temporariamente. Mas é certo que até o mau encontro tem sua pedagogia: ele nos ensina a discernir. A reconhecer o que vale a pena. A aguçar a vontade de potência que habita em nós.

O estoicismo, mais sereno, sugeriria aceitar os encontros ruins como se aceita a chuva: sem revolta, com elegância. Porque o que importa não é o que nos acontece, mas como respondemos.


Mas e o desencontro?

Ah... o desencontro é outra coisa.

O desencontro é o samba triste dos afetos que quase foram.

É a ausência do olhar que não se cruzou, da palavra que chegou atrasada.

É a solidão a dois de que falava Kierkegaard: aquela distância abissal entre dois corpos próximos.

O desencontro não machuca como o mau encontro — ele entristece.

Como uma canção interrompida antes do refrão.

Por isso, quando um bom encontro acontece, ele é tudo.

Não é pleonasmo. É mágico.

É quando o mar entende a areia.

Quando o sol entende o horizonte.

Quando “Pela luz dos olhos teus” faz sentido até pra quem nunca dançou de rosto colado.

O bom encontro é Espinosa em estado de poesia:

“A alegria é a passagem para uma perfeição maior.”

É isso.

O bom encontro aumenta nossa potência de existir.

Nos devolve ao mundo maiores, mais leves, mais vivos.

E mesmo que venha a noite, o farol do Arpoador segue lá, firme.

Sinalizando que, apesar das marés, ainda há beleza à espera de quem se permite encontrar

— e ser encontrado.

 

                           Idalo Spatz

 

 
  • 11 de ago.
  • 2 min de leitura

O mar sussurrava seus mistérios à beira da Pedra do Arpoador, como quem tenta ensinar paciência ao coração humano.

Um surfista hesitava.

A prancha pronta, o céu limpo, o mar... nem tão bravo assim. Mas ele recuava.

Do outro lado da orla, uma criança descia a calçada correndo, de braços abertos, para um cachorro enorme e peludo — que latia como trovão.

Ela ria. O cão abanava o rabo.

Foi aí que pensei: quem é o corajoso aqui?

O surfista que hesita diante da onda? A criança que mergulha no desconhecido?

Ou nenhum dos dois?

Talvez coragem e covardia não sejam opostos tão evidentes quanto parecem.

O medo é humano. Biológico.

Nietzsche dizia que “aquele que luta com monstros deve cuidar para não se tornar um.”

 

Mas há monstros que só vivem dentro da gente.

O medo nos avisa, nos alerta. Já a covardia… essa veste a fantasia da prudência, mas tem alma de fuga.

Camus escreveria que “não ser amado é apenas uma desventura; a verdadeira tragédia é não amar.”

Covardia, então, talvez seja isso: não se jogar.

Não por sensatez, mas por apego ao próprio ego, ao próprio conforto, à própria versão já conhecida da vida.

O Tao, com sua sabedoria líquida, nos lembra que resistir ao fluxo é sofrer.

O medo escuta o vento.

A covardia tapa os ouvidos.

Espinosa, mais sereno que o mar de Ipanema, ensinava que os afetos nos movem — e que a liberdade é a superação dos afetos tristes.

 

A covardia é um afeto triste disfarçado de cálculo.

O medo, ao contrário, pode ser um farol. Uma chamada à ação consciente.

Às vezes, recuar é sabedoria.

Mas outras vezes, é covardia embriagada de desculpas.

O surfista não entrou.

A criança correu de volta, ilesa.

E o mar seguiu seu curso, indiferente às hesitações humanas.

Talvez, no fundo, seja como dizia Vinícius:

"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida."

Covardia é não ir ao encontro.

É virar as costas para o que pulsa, recusar o improviso, silenciar o desejo.

Coragem, por outro lado, não é ausência de medo.

É atravessá-lo, de peito aberto, como quem caminha na areia quente e ainda

assim sorri.

É reconhecer a onda, sentir o frio, e mesmo assim… remar.

 

                                       Idalo Spatz

 

 

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