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Medo e Covardia

O mar sussurrava seus mistérios à beira da Pedra do Arpoador, como quem tenta ensinar paciência ao coração humano.

Um surfista hesitava.

A prancha pronta, o céu limpo, o mar... nem tão bravo assim. Mas ele recuava.

Do outro lado da orla, uma criança descia a calçada correndo, de braços abertos, para um cachorro enorme e peludo — que latia como trovão.

Ela ria. O cão abanava o rabo.

Foi aí que pensei: quem é o corajoso aqui?

O surfista que hesita diante da onda? A criança que mergulha no desconhecido?

Ou nenhum dos dois?

Talvez coragem e covardia não sejam opostos tão evidentes quanto parecem.

O medo é humano. Biológico.

Nietzsche dizia que “aquele que luta com monstros deve cuidar para não se tornar um.”

 

Mas há monstros que só vivem dentro da gente.

O medo nos avisa, nos alerta. Já a covardia… essa veste a fantasia da prudência, mas tem alma de fuga.

Camus escreveria que “não ser amado é apenas uma desventura; a verdadeira tragédia é não amar.”

Covardia, então, talvez seja isso: não se jogar.

Não por sensatez, mas por apego ao próprio ego, ao próprio conforto, à própria versão já conhecida da vida.

O Tao, com sua sabedoria líquida, nos lembra que resistir ao fluxo é sofrer.

O medo escuta o vento.

A covardia tapa os ouvidos.

Espinosa, mais sereno que o mar de Ipanema, ensinava que os afetos nos movem — e que a liberdade é a superação dos afetos tristes.

 

A covardia é um afeto triste disfarçado de cálculo.

O medo, ao contrário, pode ser um farol. Uma chamada à ação consciente.

Às vezes, recuar é sabedoria.

Mas outras vezes, é covardia embriagada de desculpas.

O surfista não entrou.

A criança correu de volta, ilesa.

E o mar seguiu seu curso, indiferente às hesitações humanas.

Talvez, no fundo, seja como dizia Vinícius:

"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida."

Covardia é não ir ao encontro.

É virar as costas para o que pulsa, recusar o improviso, silenciar o desejo.

Coragem, por outro lado, não é ausência de medo.

É atravessá-lo, de peito aberto, como quem caminha na areia quente e ainda

assim sorri.

É reconhecer a onda, sentir o frio, e mesmo assim… remar.

 

                                       Idalo Spatz

 

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