Medo e Covardia
- Idalo Spatz
- 11 de ago.
- 2 min de leitura
O mar sussurrava seus mistérios à beira da Pedra do Arpoador, como quem tenta ensinar paciência ao coração humano.
Um surfista hesitava.
A prancha pronta, o céu limpo, o mar... nem tão bravo assim. Mas ele recuava.
Do outro lado da orla, uma criança descia a calçada correndo, de braços abertos, para um cachorro enorme e peludo — que latia como trovão.
Ela ria. O cão abanava o rabo.
Foi aí que pensei: quem é o corajoso aqui?
O surfista que hesita diante da onda? A criança que mergulha no desconhecido?
Ou nenhum dos dois?
Talvez coragem e covardia não sejam opostos tão evidentes quanto parecem.
O medo é humano. Biológico.
Nietzsche dizia que “aquele que luta com monstros deve cuidar para não se tornar um.”
Mas há monstros que só vivem dentro da gente.
O medo nos avisa, nos alerta. Já a covardia… essa veste a fantasia da prudência, mas tem alma de fuga.
Camus escreveria que “não ser amado é apenas uma desventura; a verdadeira tragédia é não amar.”
Covardia, então, talvez seja isso: não se jogar.
Não por sensatez, mas por apego ao próprio ego, ao próprio conforto, à própria versão já conhecida da vida.
O Tao, com sua sabedoria líquida, nos lembra que resistir ao fluxo é sofrer.
O medo escuta o vento.
A covardia tapa os ouvidos.
Espinosa, mais sereno que o mar de Ipanema, ensinava que os afetos nos movem — e que a liberdade é a superação dos afetos tristes.
A covardia é um afeto triste disfarçado de cálculo.
O medo, ao contrário, pode ser um farol. Uma chamada à ação consciente.
Às vezes, recuar é sabedoria.
Mas outras vezes, é covardia embriagada de desculpas.
O surfista não entrou.
A criança correu de volta, ilesa.
E o mar seguiu seu curso, indiferente às hesitações humanas.
Talvez, no fundo, seja como dizia Vinícius:
"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida."
Covardia é não ir ao encontro.
É virar as costas para o que pulsa, recusar o improviso, silenciar o desejo.
Coragem, por outro lado, não é ausência de medo.
É atravessá-lo, de peito aberto, como quem caminha na areia quente e ainda
assim sorri.
É reconhecer a onda, sentir o frio, e mesmo assim… remar.
Idalo Spatz


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