- 1 de jul.
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O terreiro da vida, para Zeca Pagodinho, é um palco onde ele apenas deixa o corpo dançar no compasso do que vier.
"Deixa a vida me levar, vida leva eu" — canta ele, como quem entrega os remos ao destino, com um sorriso e uma gelada na mão.
Para muitos, soa como a receita da leveza: viver sem o peso das expectativas, sem o tormento de querer controlar tudo.
Mas será que essa filosofia do "deixa rolar" encontra eco nas profundezas do Taoísmo — e também na vigilância rigorosa da Filosofia?
No Taoísmo, sim.
Há uma ressonância quase perfeita com o espírito do refrão de Zeca.
O Tao — essa força invisível que permeia o mundo — não exige esforço, nem resistência.
Ele apenas é.
E a sabedoria, segundo Lao Tzu, está em fluir com ele, não contra.
É o princípio do wu wei— agir sem forçar, fazer sem interferir, mover-se como a água contorna a pedra: com paciência e sem luta.
O bambu que se curva ao vento sem quebrar...
O velho que sorri diante da mudança...
O silêncio que ensina mais do que mil discursos...
Tudo isso ecoa a mesma confiança que há na voz do Zeca:
quem disse que controlar tudo é sabedoria?
Mas aí vem a Filosofia — com seus olhos atentos e suas perguntas cortantes.
Ela não aceita tudo tão fácil.
Ela quer saber: e se, ao "deixar a vida nos levar", estivermos apenas à deriva?
E se, em nome da leveza, estivermos abrindo mão da liberdade?
Sartre, por exemplo, diria que estamos "condenados a ser livres".
Ou seja: mesmo quando não escolhemos, estamos escolhendo.
Não há neutralidade.
Nossa existência é construída por nossos atos — ou pela ausência deles.
Abdicar das rédeas pode ser também abdicar de si.
Até mesmo os estoicos, mestres da serenidade, fariam uma ressalva.
Sim, devemos aceitar o que não controlamos.
Mas não é porque o mar é indomável que vamos deitar no barco e dormir.
O que importa é como reagimos, o que cultivamos, o que pensamos.
Virtude, para eles, é remar com sabedoria — mesmo quando o vento sopra contra.
Então talvez o ponto não seja escolher entre fluir ou comandar.
A arte da vida está no discernimento.
Saber quando remar.
E saber quando é hora de largar os remos e confiar.
A vida é um rio.
Tem corredeiras e tem trechos mansos.
Zeca nos lembra que soltar o corpo é preciso.
Sartre nos avisa que viver é decidir.
E o Tao sussurra que o mais sábio é aquele que sabe escutar o ritmo das águas — e responder a ele com leveza e lucidez.
Idalo Spatz
