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Misoginia no poder

O plenário ressoa — não com ideias, mas com a eloquência vazia dos discursos.

As cadeiras de veludo abrigam a pompa.

O ar, pesado de ambição e perfume caro, mal disfarça o odor persistente da hipocrisia.

Observo.

Detalhes.

Um bocejo disfarçado.

Um cochicho ensaiado.

Vozes que se elevam com estridência autoritária, enquanto outras — mais calmas, mais densas, mais justas — são abafadas antes mesmo de nascer.

É o cotidiano, sim.

Mas não o banal.

É o espetáculo da política: ensaiado, previsível, violento.


E o pano de fundo é o de sempre — a misoginia persistente, o machismo estrutural, o racismo entranhado nos interstícios do poder.


Minha voz, que busca ser autêntica, hesita.

Como escrever com leveza quando a invisibilidade pesa toneladas?

Como ser fluido, se a fluidez da injustiça é o

que escorre, livre e impune?


Vejo as mulheres. Poucas. Corajosas.

Mulheres pardas, negras, trans — que ousam cruzar o umbral desse templo de testosterona e privilégio.

Elas falam.

Argumentam com lucidez.

Apresentam propostas visionárias.

Mas seus gritos — ah, seus gritos — ecoam em corredores surdos.

Se perdem no labirinto da escuta seletiva.

São tratadas como exceção, como ruído.

Como erro.


E me pergunto, com a angústia que se enrosca na garganta:

o que isso nos revela sobre algo mais profundo?

A condição existencial dessas mulheres — das que não performam o padrão eurocêntrico e cisgênero — ainda é a de um "outro" a ser silenciado, controlado, apagado.

Busco respostas e me lembro de Lao Tsé, o mestre do Tao:

a água, que tudo contorna, que suaviza a pedra, que encontra o caminho.


Mas como contornar montanhas de preconceito fossilizado?

Judith Butler acende outra lanterna:

o gênero, afinal, é uma performance — e o plenário é palco.

Cada gesto, cada interrupção, cada risadinha condescendente repete o script de sempre.

E mesmo os que se dizem democratas ou progressistas operam sob a mesma lógica de exclusão ancestral.


A ironia — que tanto amo nas crônicas — aqui é uma faca.

A ironia de ver esses homens (e algumas mulheres) defenderem liberdade enquanto operam hierarquias.

Defenderem a moral enquanto sustentam a opressão.

Chamam de "debate" o que, na verdade, é um ritual de reafirmação de privilégios.

Comecei observando.

Termino com uma pergunta que me atravessa:

O que é preciso para que as pedras do preconceito se tornem areia, e o rio da igualdade possa, enfim, fluir sem barragens?

Idalo Spatz

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