Misoginia no poder
- Idalo Spatz
- 28 de jun.
- 2 min de leitura
O plenário ressoa — não com ideias, mas com a eloquência vazia dos discursos.
As cadeiras de veludo abrigam a pompa.
O ar, pesado de ambição e perfume caro, mal disfarça o odor persistente da hipocrisia.
Observo.
Detalhes.
Um bocejo disfarçado.
Um cochicho ensaiado.
Vozes que se elevam com estridência autoritária, enquanto outras — mais calmas, mais densas, mais justas — são abafadas antes mesmo de nascer.
É o cotidiano, sim.
Mas não o banal.
É o espetáculo da política: ensaiado, previsível, violento.
E o pano de fundo é o de sempre — a misoginia persistente, o machismo estrutural, o racismo entranhado nos interstícios do poder.
Minha voz, que busca ser autêntica, hesita.
Como escrever com leveza quando a invisibilidade pesa toneladas?
Como ser fluido, se a fluidez da injustiça é o
que escorre, livre e impune?
Vejo as mulheres. Poucas. Corajosas.
Mulheres pardas, negras, trans — que ousam cruzar o umbral desse templo de testosterona e privilégio.
Elas falam.
Argumentam com lucidez.
Apresentam propostas visionárias.
Mas seus gritos — ah, seus gritos — ecoam em corredores surdos.
Se perdem no labirinto da escuta seletiva.
São tratadas como exceção, como ruído.
Como erro.
E me pergunto, com a angústia que se enrosca na garganta:
o que isso nos revela sobre algo mais profundo?
A condição existencial dessas mulheres — das que não performam o padrão eurocêntrico e cisgênero — ainda é a de um "outro" a ser silenciado, controlado, apagado.
Busco respostas e me lembro de Lao Tsé, o mestre do Tao:
a água, que tudo contorna, que suaviza a pedra, que encontra o caminho.
Mas como contornar montanhas de preconceito fossilizado?
Judith Butler acende outra lanterna:
o gênero, afinal, é uma performance — e o plenário é palco.
Cada gesto, cada interrupção, cada risadinha condescendente repete o script de sempre.
E mesmo os que se dizem democratas ou progressistas operam sob a mesma lógica de exclusão ancestral.
A ironia — que tanto amo nas crônicas — aqui é uma faca.
A ironia de ver esses homens (e algumas mulheres) defenderem liberdade enquanto operam hierarquias.
Defenderem a moral enquanto sustentam a opressão.
Chamam de "debate" o que, na verdade, é um ritual de reafirmação de privilégios.
Comecei observando.
Termino com uma pergunta que me atravessa:
O que é preciso para que as pedras do preconceito se tornem areia, e o rio da igualdade possa, enfim, fluir sem barragens?
Idalo Spatz


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