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Padrão de rocha em camadas
  • 13 de out.
  • 2 min de leitura

Ela sentou-se ao meu lado na mureta do Arpoador em silêncio.

Tinha os olhos vermelhos, não do sol que se punha devagar, mas de quem já vinha ardendo por dentro há horas.

Não nos conhecíamos — e talvez fosse melhor assim.

Às vezes, estranhos são os únicos capazes de nos enxergar sem julgamentos.

Ela não pediu nada. Não contou nada.

Mas a dor estava ali, nítida como o horizonte entre o Morro Dois Irmãos e o céu.

Naquele instante, entendi que não se tratava de entender, nem de resolver —

era sobre não virar o rosto.


Ficar. Respirar junto.

Ser companhia, ainda que muda.

Espinosa, com sua ética da alegria possível, diria que o verdadeiro bem é aquele que aumenta a potência de existir.

E naquele momento, o simples fato de não fugir da dor do outro já era ato ético — e talvez até amoroso.

Apenas deixei claro: a sua dor me toca.


Nietzsche nos ensinou que a compaixão, para ser grande, não deve infantilizar o outro, mas reconhecê-lo como irmão no abismo.

“É preciso ainda ter caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante.”

Pois ali estávamos nós: dois pequenos caos em silêncio, sob o esplendor alaranjado de uma estrela em queda.


Kierkegaard diria que o desespero não é sofrer — é sofrer sozinho.

Por isso, às vezes, o melhor que podemos oferecer a alguém é não deixá-lo sozinho em sua queda.

Não dar conselhos, nem soluções rápidas, nem frases feitas — mas um pouco de presença que aquece, como o último raio de sol no ombro nu.


 "Tristeza não tem fim, felicidade sim..."

cantava Tom Jobim em minha cabeça, enquanto ela se levantava devagar, acenando com os olhos.

E foi embora.

Não sorriu. Mas também não soluçava mais.

Na filosofia do Tao, diz-se que “aquele que permanece vazio pode conter o mundo.”

Naquele instante, entendi: minha função ali não era “fazer” nada.

Era apenas ser espaço.

Aberto. Sensível. Silencioso.

Como o mar quando acolhe, sem perguntar de onde vem a lágrima.

 

                                       Idalo Spatz

 
  • 9 de out.
  • 2 min de leitura

Imagine você, caminhando pela orla de Ipanema, pensando naquela frase que toca fundo na alma, quando, de repente, a voz suave da rádio na praia repete exatamente aquelas palavras, como se o mar sussurrasse mensagens secretas. Ou então, aquela intuição que insistia, mesmo sem razões aparentes, e que depois se prova o norte que faltava para seguir. Não é acaso, não é coincidência, mas um convite silencioso do inconsciente coletivo — esse reservatório ancestral que Jung desvenda — para ouvir o que o coração tem a dizer.

 

Nietzsche talvez sorriria desse encontro entre o súbito e o premeditado, pois para ele, a vida não é uma sequência ordenada, mas uma dança caótica e bela do eterno retorno, em que tudo se repete com nuances infinitas, como a melodia reinventada de uma bossa nova no violão de Tom Jobim. Sim, esses momentos que transcendem a causalidade são sinfonias da existência, onde o ora e o para sempre se entrelaçam.

 

Kierkegaard, por sua vez, destacaria o salto de fé — abraçar o mistério do desconhecido, mesmo quando a razão insiste em cobrar explicações, aceitando o paradoxo com resignação e encanto.

E Camus, sempre atento ao absurdo, nos ensinaria a rir dessas coincidências que não convencem a lógica, porém enchem de sentido a nossa caminhada, uma revolta poética contra o vazio da existência.

 

E no meio dessa dança de eventos e significados, o taoísmo nos convida a fluir, a sentir e a acolher sem forçar. É o Wu Wei dos fenômenos, uma entrega silenciosa ao fluxo natural do que deve ser, sem resistência, permitindo que as sincronicidades se revelem como portais para novos caminhos.

 

Nesse compasso, a sincronicidade é a linguagem secreta do cosmos, onde o universo nos fala, não pelos grandes fogos de artifício, mas pelos pequenos detalhes — um olhar, uma palavra cruzada, um sonho compartilhado. Ela desafia nossa sede de controle e compreensão, lembrando que a vida é, sobretudo, mistério, e que a beleza reside justamente em deixar-se surpreender.

 

E assim, enquanto a noite carioca toma conta de Ipanema, seguimos atentos, ouvindo a melodia inesperada do acaso que, em sua dança invisível, nos conecta, nos atravessa e, sobretudo, nos revela.

 


                                Idalo Spatz

 
  • 6 de out.
  • 2 min de leitura

No Arpoador, o mar nunca é só mar.

Às vezes é verde-escuro, às vezes azul-claro.

Às vezes violento, às vezes manso.

Quem olha de longe e diz: “o mar é sempre igual” nunca molhou os pés na beira da onda.

O simplismo é isso: a pressa de achar que entendeu.

Vivemos num tempo em que o simplismo virou moeda corrente.

Explicações rápidas, frases de efeito, certezas instantâneas.

Como se a vida coubesse em 140 caracteres.

Como se a verdade fosse uma xícara rasa de café, quando na verdade é oceano profundo.

Nietzsche já alertava que “não existem fatos, apenas interpretações”.

O problema é quando reduzimos interpretações a slogans — e confundimos isso com verdade.

O simplismo nos rouba a nuance, essa poesia escondida nos detalhes.

Ele nos prende na superfície, onde tudo parece claro, mas nada é realmente visto.

 

Espinosa, com sua serenidade geométrica, lembrava que compreender é ampliar.

O simplismo faz o contrário: encolhe. Reduz o que é vasto a um ponto.

Como tentar explicar uma sinfonia inteira com uma única nota.

E não pense que isso é inofensivo. O simplismo abre espaço para manipulações.

Quem controla a narrativa simples controla corações apressados.

É o caldo perfeito para a pós-verdade, onde fatos e opiniões se misturam como espuma que engana o olhar. Quem nunca viu miragens no asfalto quente do Rio de janeiro?

Assim também são as “verdades” simplistas: parecem água, mas secam ao toque.

O Tao nos ensina que a realidade é fluxo, mudança, contradição. “O caminho que pode ser dito não é o caminho eterno.” Traduzindo: toda verdade que se apresenta como definitiva merece desconfiança. A vida é feita de paradoxos. Aceitar isso não nos enfraquece — nos amadurece.

Talvez por isso a democracia sofra tanto com discursos simplistas.


Eles oferecem alívio imediato, como analgésicos baratos, mas escondem a complexidade necessária ao debate. O preço? Um pensamento líquido demais, que não sustenta ponte alguma.

Kierkegaard sorriria melancólico: “A angústia é a vertigem da liberdade.”

E parte dessa liberdade está em suportar a complexidade da verdade.

Do contrário, vivemos em bolhas confortáveis, mas cegas.

No fim da tarde, o sol beija o mar no Arpoador.

Se eu dissesse apenas “foi bonito”, reduziria demais.

A beleza está na criança que corre atrás da bola, no pescador que observa as marés, no casal que discute baixinho sobre a vida, no acorde perdido de violão vindo de Ipanema.

A cena não cabe em resumo — só em presença.

E é isso que o simplismo nos rouba: a inteireza do instante.

 

 

                                    Idalo Spatz

 

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