O Abismo Chamado Aventura
- Idalo Spatz
- 25 de jun.
- 2 min de leitura
No alto do Vidigal, uma moça se equilibra para tirar a foto perfeita. Atrás dela, o vazio. À frente, o celular. Nada entre um e outro. Nada além de aplausos virtuais que ela ainda não recebeu, mas já antecipa. Ela sorri, mas seu corpo está rígido. Não há contemplação naquele gesto, só tensão. É o momento exato em que a aventura se desfaz em performance.
Dias depois, outra manchete: mais uma tragédia em trilha "paradisíaca". Alguém caiu, alguém sumiu, alguém não voltou. Um "passeio radical" que terminou em silêncio.
E me pergunto: desde quando buscar o sublime virou sinônimo de flertar com o limite?
Não se trata de coragem. Coragem é mergulhar dentro, não se pendurar fora.
Nietzsche dizia que "aquele que luta com monstros deve cuidar para não se tornar
um". Mas às vezes, o monstro mora no espelho com filtro de paisagem.
E é alimentado a cada curtida.
O Taoísmo nos diria que quem busca o extraordinário fora, esquece o extraordinário que já habita o agora. Que quem força a natureza, será por ela engolido — não por castigo, mas por descompasso.
Existe uma diferença sutil entre aventura e compulsão por transcendência. Quando subir o morro vira obrigação, e não escolha. Quando o risco é anestésico para um tédio existencial. Quando o corpo, frágil e urbano, se veste de guerreiro apenas para registrar que "venceu a montanha" — mesmo que tenha perdido a si mesmo no caminho.
Espinosa falava que somos movidos pelo desejo de perseverar no ser. Mas há quem confunda perseverança com exibição. Há quem vá à floresta não para ouvir a mata, mas para vencer o silêncio que o próprio peito já não suporta.
Kierkegaard nos alertava: o desespero moderno é o da fuga de si. E a trilha, o cume, a escalada — tudo isso pode ser beleza ou fuga. Caminho ou escudo.
A trilha mais perigosa é a da expectativa.
A de ter que viver experiências impactantes, intensas, radicais — como se a vida só valesse se testasse seus próprios limites. Mas o Tao ensina que a grandeza está no meio. No caminho do meio. Na trilha que respeita a topografia do corpo e a topografia da alma. Tom Jobim, que amava as pedras e os rios, dizia:
"É impossível ser feliz sozinho..." E eu diria: também é impossível ser feliz se você está sempre competindo com o abismo — por aprovação.
No Arpoador, a maré sobe mansa. A jovem que caminha ali não precisa escalar nada para se sentir viva. Ela sente o vento. Isso basta.
O verdadeiro radicalismo, talvez, seja não ter pressa.
É sentar-se na pedra e ver o sol descer.
Sem foto.
Sem legenda.
Sem prova.
A aventura mais bonita é aquela que nos reconcilia com o corpo.
Que não exige do mundo um espetáculo — mas que devolve ao mundo nossa escuta.
No fim do dia, o mar engole mais uma trilha.
A montanha permanece.
O vento sussurra.
E quem escuta, volta inteiro.
Idalo Spatz


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