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Migalhas de Amor

Na beira do Arpoador, entre um gole de mate e o vaivém das ondas, vi uma mulher olhando fixamente o celular.

A brisa soprava suave, os surfistas flutuavam como garças no horizonte, e ela, imóvel, esperava — não o mar, não o pôr do sol, mas uma resposta.

Talvez um emoji, uma frase vaga, uma gota de afeto.

É curioso como aceitamos migalhas quando acreditamos que estamos com fome.


Nietzsche dizia que "a maior parte da humanidade prefere crer em ilusões agradáveis do que encarar verdades amargas". E não há ilusão mais sedutora do que a de que o pouco que nos dão é o suficiente, desde que nos deem alguma coisa.


Mas o que são essas migalhas senão pedaços frios de um banquete emocional que nunca chega?

A filosofia nos dá as lentes para observar esse cenário com mais clareza.

Os estóicos — sábios como Epicteto ou Sêneca — ensinavam que a fonte da nossa dor está no apego ao que não controlamos. Esperar que o outro nos sirva amor como se estivéssemos num restaurante emocional é a receita perfeita para a frustração.


Já os existencialistas — Kierkegaard, Beauvoir, Camus — apontavam para algo ainda mais inquietante: somos responsáveis por aceitar o que nos fazem. Cada escolha é uma assinatura no contrato da nossa própria narrativa.

Quando aceitamos migalhas, não é só porque o outro nos dá pouco — é também porque não acreditamos que merecemos o banquete.


E o Tao?

Ah, o Tao... Ele sussurra com o vento e não

precisa provar nada. O Taoísmo, com sua poética simplicidade, nos lembra que o rio não mendiga por afluentes: ele flui. WuWei — agir sem forçar, amar sem prender, doar sem contar.

Amar de verdade é como caminhar pela areia: leve, desapegado, mas presente.

Não se espera o amor, vivese o amor.


Talvez por isso Vinícius tenha dito que "o amor é eterno enquanto dura" — porque ele é como a maré: não se prende, apenas vem e vai.


E se ao invés de pedir migalhas, sentássemos à mesa conosco? Epicuro já nos convidava para isso: o prazer genuíno está na amizade, na lucidez e na moderação.

É na sabedoria que nos tornamos fartos — não no outro.


A mulher ainda olhava o celular quando o sol mergulhou no mar, e pela primeira vez ela levantou os olhos. Sorriu, tímida, como quem percebe, enfim, que o céu é bem mais bonito que as notificações. Era um começo. Pequeno, mas inteiro. Idalo Spatz

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