- 1 de set.
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Atualizado: 2 de set.
O céu, tingido de laranja, anunciava que o sol se despedia com aquela elegância carioca que até o tempo aprende a ter. Um rapaz caminhava descalço na areia fria, os olhos perdidos no horizonte. Carregava um dilema nos ombros — desses que não se veem, mas pesam mais do que mochila de turista desavisado.
Tinha largado o emprego estável. Ganhava bem, plano de saúde, café em cápsula na copa, crachá com nome em negrito. Mas também tinha insônia, gastrite e uma angústia que boletim de produtividade nenhum sabia curar. Resolveu sair. Libertar-se. E agora andava pela praia tentando entender por que, ao escolher ser livre, sentia-se tão... perdido.
"A liberdade é cara — não pelo preço das escolhas difíceis, mas pelas renúncias", murmurou, talvez sem saber que repetia uma verdade profunda.
As gaivotas, sábias, planavam em Wu Wei — a não-ação taoísta — voando não contra o vento, mas com ele.
Quantas vezes escolhemos a gaiola dourada só porque o céu aberto nos assusta? La Boétie sabia disso: chamava de servidão voluntária essa estranha mania de aceitar o jugo se ele vier com almofada.
Mas a liberdade exige o contrário: é um caminho em que cada passo também é uma perda. Dizer "sim" a uma vida é dizer "não" a todas as outras que poderiam ter sido.
Se Rousseau estivesse sentado ali no calçadão, água de coco na mão, talvez dissesse que o homem nasceu livre, mas hoje paga caro por cada passo fora do script.
Simone de Beauvoir lembraria que a liberdade é um fardo:
ser livre é assumir o peso das consequências.
Nietzsche, mais irônico, apontaria que muitos preferem o conforto do rebanho
à vertigem da montanha.
Mas o Tao não exige esforço. Ele não grita nem empurra. Apenas convida.
Liberdade, sob sua ótica, não é ruptura, mas fluidez.
Não é o grito de quem quebra correntes — é o silêncio de quem já não precisa delas.
O homem do Arpoador, sem saber, já praticava o Tao: andava sem destino, sem perguntas certas, aceitando a brisa na pele como quem ouve um sussurro do universo.
No fim, a liberdade talvez não seja o voo espetacular, mas o pouso tranquilo.
Não é ausência de dor, mas presença de escolha.
Não é não sofrer — é sofrer por algo que se escolheu.
A renúncia, então, não é perda — é compromisso.
E comprometer-se pode ser a forma mais sincera de voar.
O rapaz sentou-se na pedra, observou o sol mergulhar no mar e, sem querer entender tudo, sorriu.
Porque às vezes, ser livre é apenas isso: aceitar que o caminho certo não precisa fazer sentido — basta ser seu.
E ali, entre o vai e vem das ondas e o silêncio do fim do dia, ele pagou mais um pedacinho da conta.
A liberdade é cara, sim.
Mas vale cada centavo.
Idalo Spatz
