Envelhecer com Dignidade
- Idalo Spatz
- 25 de ago.
- 3 min de leitura
Atualizado: 27 de ago.
O sol, com sua teimosia dourada, insistia em beijar o mar. Era fim de tarde — como tantos outros que se esvaem na memória — mas havia ali algo diferente, uma melodia grave de violão que não se ouvia, apenas se sentia.
Velhos pescadores de almas, com redes gastas de histórias, lançavam olhares ao horizonte — talvez em busca do peixe de ontem, talvez do futuro que se esconde nas rugas.
E eu, observando, lembrei o que Vinícius sussurrou um dia:
“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.”
Sim — e também é a arte do adeus, do desapego, da dança sutil com o tempo.
Alguns limites, aprendi, estão ali para ficar.
A areia fina sob os pés lembrava a impermanência:
grão a grão escorrendo entre os dedos,
como os anos.
Envelhecer — ah, essa arte difícil.
Não é apenas o espelho que muda,
mas a mente, o corpo, o próprio modo de estar no mundo.
Aquela chama de juventude —
Nietzsche e seu “viver perigosamente” —
cede espaço a uma sabedoria mais estoica:
aceitar o que não se pode mudar.
Compreender que a realidade é, em sua essência, inegociável.
A praia segue. O mar avança e recua.
As gaivotas voam, indiferentes aos nossos dramas.
Talvez essa seja a lição:
a dignidade não está em lutar contra a correnteza,
mas em nadar com ela.
Encontrar a cadência.
A harmonia.
Um senhor caminha na areia.
O corpo curvado pelo tempo,
mas o olhar ainda carregado da vivacidade que a Bossa Nova traduz em acordes suaves.
Ele sorri para uma criança que corre desengonçada.
E não há melancolia em seu sorriso —
só aceitação.
Ele já não mergulha nas ondas com a impetuosidade de um surfista,
mas aprecia a brisa no rosto.
A cor do crepúsculo.
Ele se tornou espectador.
O sábio.
Espinosa diria que ele atingiu a liberdade:
compreender a necessidade das coisas.
Sem lamentações.
Só entendimento.
A maturidade, com suas cicatrizes inevitáveis,
ensina a não forçar o rio a correr montanha acima.
É a sabedoria de Kierkegaard,
que nos lembra da angústia da escolha
e da liberdade de sermos quem somos —
mesmo que isso envolva perda, transformação.
O corpo já não responde como antes?
A memória tropeça em alguns nomes
enquanto outros, de décadas atrás, surgem com clareza quase dolorosa?
Que seja.
Há dignidade em reconhecer a finitude.
Em rir das próprias falhas.
Em encontrar novo propósito nas pequenas alegrias.
“É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”,
cantava Renato Russo —
e talvez a frase pese ainda mais quando o amanhã se estreita.
A maturidade também é amar devagar,
continuar se conectando,
ver beleza no cotidiano,
mesmo que ele agora seja mais lento.
Mais silencioso.
É ser gentil consigo.
É não cobrar a performance de outrora.
É entender que a vida, afinal,
não é corrida — é caminhada.
No Arpoador, enquanto o sol se despede, tingindo o céu de laranja e rosa,
a melodia que ecoa na mente se mistura ao murmúrio das ondas.
A alma carioca — com sua leveza, sua música, seu afeto —
é também a alma que sabe envelhecer com sorriso,
com violão,
e com a aceitação serena do que é.
E isso, caro amigo,
é a verdadeira arte.
Idalo Spatz


Comentários