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Envelhecer com Dignidade

Atualizado: 27 de ago.

O sol, com sua teimosia dourada, insistia em beijar o mar. Era fim de tarde — como tantos outros que se esvaem na memória — mas havia ali algo diferente, uma melodia grave de violão que não se ouvia, apenas se sentia.

Velhos pescadores de almas, com redes gastas de histórias, lançavam olhares ao horizonte — talvez em busca do peixe de ontem, talvez do futuro que se esconde nas rugas.

E eu, observando, lembrei o que Vinícius sussurrou um dia:

“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.”

Sim — e também é a arte do adeus, do desapego, da dança sutil com o tempo.

Alguns limites, aprendi, estão ali para ficar.

A areia fina sob os pés lembrava a impermanência:

grão a grão escorrendo entre os dedos,

como os anos.

Envelhecer — ah, essa arte difícil.

 

Não é apenas o espelho que muda,

mas a mente, o corpo, o próprio modo de estar no mundo.

Aquela chama de juventude —

Nietzsche e seu “viver perigosamente” —

cede espaço a uma sabedoria mais estoica:

aceitar o que não se pode mudar.

Compreender que a realidade é, em sua essência, inegociável.

A praia segue. O mar avança e recua.

As gaivotas voam, indiferentes aos nossos dramas.

Talvez essa seja a lição:

a dignidade não está em lutar contra a correnteza,

mas em nadar com ela.

Encontrar a cadência.

A harmonia.

Um senhor caminha na areia.

O corpo curvado pelo tempo,

mas o olhar ainda carregado da vivacidade que a Bossa Nova traduz em acordes suaves.

 

Ele sorri para uma criança que corre desengonçada.

E não há melancolia em seu sorriso —

só aceitação.

Ele já não mergulha nas ondas com a impetuosidade de um surfista,

mas aprecia a brisa no rosto.

A cor do crepúsculo.

Ele se tornou espectador.

O sábio.

Espinosa diria que ele atingiu a liberdade:

compreender a necessidade das coisas.

Sem lamentações.

Só entendimento.

A maturidade, com suas cicatrizes inevitáveis,

ensina a não forçar o rio a correr montanha acima.

É a sabedoria de Kierkegaard,

que nos lembra da angústia da escolha

e da liberdade de sermos quem somos —

mesmo que isso envolva perda, transformação.

O corpo já não responde como antes?

A memória tropeça em alguns nomes

enquanto outros, de décadas atrás, surgem com clareza quase dolorosa?

Que seja.

Há dignidade em reconhecer a finitude.

Em rir das próprias falhas.

Em encontrar novo propósito nas pequenas alegrias.

“É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã”,

cantava Renato Russo —

e talvez a frase pese ainda mais quando o amanhã se estreita.

A maturidade também é amar devagar,

continuar se conectando,

ver beleza no cotidiano,

mesmo que ele agora seja mais lento.

Mais silencioso.

É ser gentil consigo.

É não cobrar a performance de outrora.

 

É entender que a vida, afinal,

não é corrida — é caminhada.

No Arpoador, enquanto o sol se despede, tingindo o céu de laranja e rosa,

a melodia que ecoa na mente se mistura ao murmúrio das ondas.

A alma carioca — com sua leveza, sua música, seu afeto —

é também a alma que sabe envelhecer com sorriso,

com violão,

e com a aceitação serena do que é.

E isso, caro amigo,

é a verdadeira arte.

 

                                       Idalo Spatz

 

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