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Imagem é Tudo

Terça-feira, 8h17.

Enquanto o café esfriava na xícara de porcelana barata — aquela que guarda histórias como um diário íntimo — o celular vibrou com mais uma promessa:

“Seja a melhor versão de si mesmo em 30 dias!”

A foto mostrava um homem esculpido como uma estátua grega, banhado por um sol que não iluminava: apenas fotografava bem.

Pensei:

Lao Tsé, onde você está quando mais precisamos?

Na parede da padaria — daquelas com espelho de verdade, não filtro digital — vejo o reflexo dos frequentadores.

Uns ajustam a postura.

Outros desviam o olhar, rápido demais.

O dono do lugar, um português de bigode taoísta, me entrega o pão na chapa e filosofa:

“O problema não é querer melhorar, moço.

É achar que a embalagem é o produto.”

 

Nietzsche, na fila do caixa, sorriria com ironia.

O Rio conhece bem essa contradição.

Na orla, corpos dourados desfilam como obras de arte.

Mas quantos desses artistas se reconhecem no espelho sem LED?

Nas academias de Ipanema, suam-se esculturas humanas que jamais se satisfazem.

No metrô, rostos exaustos deslizam pelas estações como sombras de Zhuangzi — sempre correndo atrás de algo que nunca chega.

O Tao Te Ching — que mora na minha bolsa, junto com documentos e chaves— diz:

“A água beneficia a todos sem competir.”

Enquanto isso, nas redes sociais, disputamos por gotas de atenção

como pardais num bebedouro seco.

Postamos o pôr do sol do Arpoador, mas perdemos o instante real entre um ajuste de brilho e outro.

O velho chinês da Feira de São Cristóvão me contou uma história.

Um homem ficou obcecado por sua sombra no espelho.

Passou a vida tentando corrigi-la — até quebrar o vidro.

Mas a sombra continuava lá.

Agora cortava seus dedos.

Moral da história:

“Cuidado com o que você tenta consertar, jovem.

Às vezes, é o espelho que está torto.”

À noite, no bar do Zé — onde a luz é ruim de propósito — vejo a verdadeira beleza carioca:

Rugas que contam histórias.

Sorrisos desalinhados.

Gestos que jamais caberiam no Instagram.

Tom Jobim sabia disso quando compôs Wave.

A beleza está no movimento, não na foto estática.

 

Na volta pra casa, desligo o celular e olho pela janela.

Lá está o Cristo — iluminado contra a noite.

Sempre o mesmo.

Nunca igual.

Talvez ele saiba o segredo:

Brilhar sem se preocupar com os ângulos.

Vinícius dizia:

“A beleza é fundamental.”

Mas esqueceu de avisar:

Desde que não vire obsessão.

No fim do dia, deito com meu pijama manchado e penso:

Hoje não postei nada. Mas vivi tudo.

E o Tao, como um velho vizinho sábio, bate na parede:

“Finalmente você entendeu.”

Amanhã terá novo sol.

Novo reflexo.

Nova chance de esquecer os espelhos —

e simplesmente estar.

Como as ondas do Arpoador:

 

Que quebram, se refazem…

e nunca param para tirar selfies.

 

                                        Idalo Spatz

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