Imagem é Tudo
- Idalo Spatz
- 28 de ago.
- 2 min de leitura
Terça-feira, 8h17.
Enquanto o café esfriava na xícara de porcelana barata — aquela que guarda histórias como um diário íntimo — o celular vibrou com mais uma promessa:
“Seja a melhor versão de si mesmo em 30 dias!”
A foto mostrava um homem esculpido como uma estátua grega, banhado por um sol que não iluminava: apenas fotografava bem.
Pensei:
Lao Tsé, onde você está quando mais precisamos?
Na parede da padaria — daquelas com espelho de verdade, não filtro digital — vejo o reflexo dos frequentadores.
Uns ajustam a postura.
Outros desviam o olhar, rápido demais.
O dono do lugar, um português de bigode taoísta, me entrega o pão na chapa e filosofa:
“O problema não é querer melhorar, moço.
É achar que a embalagem é o produto.”
Nietzsche, na fila do caixa, sorriria com ironia.
O Rio conhece bem essa contradição.
Na orla, corpos dourados desfilam como obras de arte.
Mas quantos desses artistas se reconhecem no espelho sem LED?
Nas academias de Ipanema, suam-se esculturas humanas que jamais se satisfazem.
No metrô, rostos exaustos deslizam pelas estações como sombras de Zhuangzi — sempre correndo atrás de algo que nunca chega.
O Tao Te Ching — que mora na minha bolsa, junto com documentos e chaves— diz:
“A água beneficia a todos sem competir.”
Enquanto isso, nas redes sociais, disputamos por gotas de atenção
como pardais num bebedouro seco.
Postamos o pôr do sol do Arpoador, mas perdemos o instante real entre um ajuste de brilho e outro.
O velho chinês da Feira de São Cristóvão me contou uma história.
Um homem ficou obcecado por sua sombra no espelho.
Passou a vida tentando corrigi-la — até quebrar o vidro.
Mas a sombra continuava lá.
Agora cortava seus dedos.
Moral da história:
“Cuidado com o que você tenta consertar, jovem.
Às vezes, é o espelho que está torto.”
À noite, no bar do Zé — onde a luz é ruim de propósito — vejo a verdadeira beleza carioca:
Rugas que contam histórias.
Sorrisos desalinhados.
Gestos que jamais caberiam no Instagram.
Tom Jobim sabia disso quando compôs Wave.
A beleza está no movimento, não na foto estática.
Na volta pra casa, desligo o celular e olho pela janela.
Lá está o Cristo — iluminado contra a noite.
Sempre o mesmo.
Nunca igual.
Talvez ele saiba o segredo:
Brilhar sem se preocupar com os ângulos.
Vinícius dizia:
“A beleza é fundamental.”
Mas esqueceu de avisar:
Desde que não vire obsessão.
No fim do dia, deito com meu pijama manchado e penso:
Hoje não postei nada. Mas vivi tudo.
E o Tao, como um velho vizinho sábio, bate na parede:
“Finalmente você entendeu.”
Amanhã terá novo sol.
Novo reflexo.
Nova chance de esquecer os espelhos —
e simplesmente estar.
Como as ondas do Arpoador:
Que quebram, se refazem…
e nunca param para tirar selfies.
Idalo Spatz


Comentários