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Padrão de rocha em camadas
  • 21 de ago.
  • 2 min de leitura

Há dias em que o apartamento minúsculo no Arpoador parece o centro do universo.

As paredes, testemunhas mudas, guardam os segredos de corpos que se encontram,

cafés que se derramam na pressa do desejo,

e silêncios que dizem mais do que todas as palavras de Vinícius.

Ali dentro, o tempo tem outra densidade — tempo de mel e fogo, em que até o tic-tac do velho relógio parece seguir o compasso de Águas de Março.


Mas o Rio não dorme.

Lá fora, o mar respira.

As palmeiras balançam filosofias ao vento,

e os morros assistem, impassíveis,

a essa pequena humanidade que insiste em acreditar

que o amor cabe em quatro paredes.

O Tao sorri:

tudo flui.

A onda que hoje beija a areia será, amanhã, espuma.

Memória.

Saudade.


Nietzsche, com seu olhar cortante,

diria que ali — naquele cubículo de concreto com vista para um céu sem fim —

os amantes criam seus próprios mitos.

E que a beleza está justamente nisso:

na coragem de viver um eterno agora diante do abismo.

Kierkegaard suspiraria:

tantas almas tentando fixar o efêmero,

como quem quer prender o pôr do sol num copo vazio.

E quando a porta se abre?

Quando o cheiro do mar invade o apartamento

e a brisa dissolve os últimos vestígios do corpo que ali dormiu?

Espinosa nos lembra:

“Não rir, não lamentar, mas compreender.”

O vazio lá fora não é inimigo —

é o mesmo mar que trouxe e levou tantos navios,

tantos amores,

tantas canções.

 

O estoico diria que há uma geometria divina nisso tudo:

as mesmas estrelas que brilham sobre os amantes do Leblon

iluminam também os pescadores da Praia Vermelha.

Tom Jobim sabia.

Por isso escreveu:

“Tristeza não tem fim, felicidade sim.”

A química entre quatro paredes é um milagre cotidiano —

mas a vida, ah, a vida…

é maior que qualquer esquadria.

Ela pulsa também nos botequins onde se discute futebol e filosofia,

nas calçadas onde crianças jogam bola,

nos bondes de Santa Teresa,

que sobem devagar — como quem não quer chegar.


Talvez a sabedoria esteja nisso:

viver a intensidade do dentro sem medo do fora.

Aceitar, como dizia o velho Tao, que

“a canção que se pode cantar não é a canção eterna.”

E seguir.

Entre paredes e horizontes.

Entre encontros e partidas.

Entre o agora e o sempre.

Sabendo que o Rio —

esse eterno professor de desapego —

sempre terá uma nova onda,

um novo sol,

um novo samba

para nos lembrar:

a vida é breve, mas é larga.

Larga como a Baía de Guanabara.

 

                                         Idalo Spatz

 
  • 18 de ago.
  • 2 min de leitura

A luz dourada lambe as pedras do Arpoador  como se o sol quisesse eternizar aquele instante.

O mar segue seu vaivém ancestral, indiferente às urgências do relógio.

E ali, na beirada do mundo, um homem parado.

Não fisicamente — mas dentro.

Parado no tempo. Parado por dentro.

E então me pergunto:

Por que paramos, se a única coisa que o tempo faz… é não parar?

Paramos no amor que partiu sem fechar a porta.

Paramos na juventude que agora só existe em retrato filtrado.

Paramos no “ano mágico” que virou prisão nostálgica.

Paramos no medo. No luto. No arrependimento.

Somos seres de pausa, mesmo num universo que não para de girar.

Nietzsche, com seu olhar de abismo, diria que isso é nossa tragédia: o apego ao que já morreu. Somos especialistas em ressuscitar o passado — mas desajeitados quando se trata de viver o presente. Já Espinosa sussurra que o verdadeiro milagre é continuar desejando, mesmo depois de tanta queda. Porque quem deseja ainda está vivo. E há nisso uma beleza melancólica, como no samba que precisa de um bocado de tristeza pra ser belo.

Como escreveu Vinicius: "fazer samba não é contar piada. O bom samba é uma forma de oração." 

A vida também.

O problema é que confundimos memória com moradia.

A lembrança deveria ser visita, não endereço fixo.

Kierkegaard já alertava: “a vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para frente.” Só que a gente esquece.

E começa a viver de replays emocionais, maratonando dores antigas como se o sofrimento nos desse alguma sensação de pertencimento.

No fundo, o que a alma quer não é voltar no tempo.

É tocar o tempo.

É ser tocada por ele.

Como quem encosta o corpo em outro corpo e sente o calor de estar vivo.

E nesse sentido, o tempo é um bom carioca.

Sabe driblar, sambar, passar adiante. Não se apega.

O tempo, se tivesse endereço, moraria no Arpoador — entre a pedra, a onda e o instante.

E ele nos convida: venha leve. Venha solto. Venha agora.

Talvez seja hora de aprender com o mar.

Ele também perde ondas.

Mas não para por isso.

 

                                 Idalo Spatz

 
  • 14 de ago.
  • 2 min de leitura

É no balanço sereno da areia do Arpoador que, às vezes, a gente encontra respostas para perguntas que parecem simples — mas carregam a densidade do oceano.

“Bons encontros”.

À primeira vista, soa como pleonasmo. Como dizer “subir pra cima” ou “sorrir feliz”. Um excesso permitido pela língua — e pela alma — pra dar ênfase. Porque, no fundo, a gente sabe: nem todo encontro é bom. Nem toda travessia é ponte.


A luz da tarde, esvaindo-se em aquarela sobre o céu do Rio, nos convida a pensar com mais vagar. Um encontro, na sua essência, é o entrelaçar de caminhos.

O toque breve — ou profundo — entre duas existências. Como dizia Vinicius, com a delicadeza que só os poetas sustentam:

“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.”

E como há.

Há encontros que não somam — subtraem.

Há encontros que ferem, que rasgam o que deveria acolher.

Encontros que, em vez de expansão, nos contraem.

Esses, talvez, não sejam trágicos. Mas são opacos. Não nos elevam, nem nos devolvem a nós mesmos. São como maré contrária: exigem esforço, desgastam o corpo e confundem a rota.

O Tao ensina que o fluxo natural é suave, sem atrito. Bons encontros fluem — os demais, resistem. São quedas de energia, pontos cegos na travessia da alma.

 

Nietzsche, com sua lucidez incendiária, talvez sorrisse com desdém e dissesse: “O que não nos mata, nos fortalece.” Talvez. Ou talvez só nos cale temporariamente. Mas é certo que até o mau encontro tem sua pedagogia: ele nos ensina a discernir. A reconhecer o que vale a pena. A aguçar a vontade de potência que habita em nós.

O estoicismo, mais sereno, sugeriria aceitar os encontros ruins como se aceita a chuva: sem revolta, com elegância. Porque o que importa não é o que nos acontece, mas como respondemos.


Mas e o desencontro?

Ah... o desencontro é outra coisa.

O desencontro é o samba triste dos afetos que quase foram.

É a ausência do olhar que não se cruzou, da palavra que chegou atrasada.

É a solidão a dois de que falava Kierkegaard: aquela distância abissal entre dois corpos próximos.

O desencontro não machuca como o mau encontro — ele entristece.

Como uma canção interrompida antes do refrão.

Por isso, quando um bom encontro acontece, ele é tudo.

Não é pleonasmo. É mágico.

É quando o mar entende a areia.

Quando o sol entende o horizonte.

Quando “Pela luz dos olhos teus” faz sentido até pra quem nunca dançou de rosto colado.

O bom encontro é Espinosa em estado de poesia:

“A alegria é a passagem para uma perfeição maior.”

É isso.

O bom encontro aumenta nossa potência de existir.

Nos devolve ao mundo maiores, mais leves, mais vivos.

E mesmo que venha a noite, o farol do Arpoador segue lá, firme.

Sinalizando que, apesar das marés, ainda há beleza à espera de quem se permite encontrar

— e ser encontrado.

 

                           Idalo Spatz

 

 

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