- 21 de jul.
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O sol descia devagar, como quem entende que ser belo é também saber partir. Seus últimos raios douravam os rostos distraídos, as ondas sussurrantes, as gaivotas que riscavam o céu. Tudo parecia em paz, e ainda assim… havia um silêncio estranho. Um vazio suspenso no ar.
Ela estava sentada no canto da pedra, olhando o mar como quem espera uma resposta que o mundo teima em calar.
Não chorava.
Mas o silêncio entre as ondas dizia o que ela ainda não conseguia confessar:
“Fiquei porque era mais fácil do que ir embora.”
Há amores que se parecem com prisões decoradas. Tem cafuné, jantarzinho de sábado, promessas de feriado. Mas também tem cela invisível: a dependência disfarçada de afeto, os grilhões macios da rotina, o medo voraz de ficar só. E então a gente se convence de que ainda ama.
Que é só uma fase. Que todo casal passa por isso.
Que, no fundo, não sobreviveria longe dali.
Jean-Paul Sartre chamaria isso de má-fé: o autoengano mais cruel é aquele que nos faz acreditar que não temos escolha. “Preciso dele”, “não vou conseguir sem ela” — frases que escondem o pavor da liberdade.
Ser livre dói. É encarar o espelho e admitir:
“Fiquei porque tive medo de ir.”
Nietzsche já dizia: o ser humano foge da dor como o diabo da cruz. Mas às vezes é justamente ali, na dor da ruptura, que pulsa o primeiro sopro de potência.
“Aquilo que não me mata, me fortalece”, ele escreveu. A frase virou azulejo de restaurante. Mas é também uma chave. Uma revelação.
No Tao, não há esforço. O Tao não empurra o rio, apenas o acompanha.
Um amor que exige esforço constante para se manter talvez já esteja morto — sustentado por medo e costume.
E o Tao sussurra:
tudo o que é forçado, um dia quebra. Até o afeto.
Ela, na pedra, suspira. Talvez pense em Camus e seu absurdo — o vazio da existência que nos empurra a preencher o peito com qualquer coisa. Ou qualquer um.
Melhor sofrer acompanhada do que encarar o silêncio do quarto vazio.
Mas será?
Simone de Beauvoir, que tão bem entendeu a costura entre liberdade e opressão, alertaria:
quando o outro define quem somos, já não somos.
A relação vira espelho trincado. E a gente se esquece do próprio rosto.
Ali, com a brisa salgada limpando a pele e o mar dizendo vai, ela talvez tenha entendido:
estar só não é solidão. É espaço.
Espaço para dançar descalça na sala.
Para errar sem pedir desculpas.
Para ouvir Tom Jobim com gosto — não com saudade.
Para lembrar que
“é impossível ser feliz sozinho”,
sim, mas talvez mais impossível ainda seja ser feliz mal acompanhado.
A liberdade é vertigem. A angústia, dizia Kierkegaard, é o preço da escolha.
Mas também é onde mora a fé.
Não no outro.
Em si.
É ali, no medo de saltar, que começa a coragem de voar.
O sol se foi.
As luzes da cidade acendem devagar.
Ela se levanta, sacode a areia —
e vai embora.
Não para alguém.
Mas para si mesma.
Idalo Spatz
