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O Medo de Estar Só

O sol descia devagar, como quem entende que ser belo é também saber partir. Seus últimos raios douravam os rostos distraídos, as ondas sussurrantes, as gaivotas que riscavam o céu. Tudo parecia em paz, e ainda assim… havia um silêncio estranho. Um vazio suspenso no ar.

Ela estava sentada no canto da pedra, olhando o mar como quem espera uma resposta que o mundo teima em calar.

Não chorava.

Mas o silêncio entre as ondas dizia o que ela ainda não conseguia confessar:

“Fiquei porque era mais fácil do que ir embora.”


Há amores que se parecem com prisões decoradas. Tem cafuné, jantarzinho de sábado, promessas de feriado. Mas também tem cela invisível: a dependência disfarçada de afeto, os grilhões macios da rotina, o medo voraz de ficar só. E então a gente se convence de que ainda ama.

Que é só uma fase. Que todo casal passa por isso.


Que, no fundo, não sobreviveria longe dali.

Jean-Paul Sartre chamaria isso de má-fé: o autoengano mais cruel é aquele que nos faz acreditar que não temos escolha. “Preciso dele”, “não vou conseguir sem ela” — frases que escondem o pavor da liberdade.

Ser livre dói. É encarar o espelho e admitir:

“Fiquei porque tive medo de ir.”

Nietzsche já dizia: o ser humano foge da dor como o diabo da cruz. Mas às vezes é justamente ali, na dor da ruptura, que pulsa o primeiro sopro de potência.

Aquilo que não me mata, me fortalece”, ele escreveu. A frase virou azulejo de restaurante. Mas é também uma chave. Uma revelação.

No Tao, não há esforço. O Tao não empurra o rio, apenas o acompanha.

Um amor que exige esforço constante para se manter talvez já esteja morto — sustentado por medo e costume.


E o Tao sussurra: 

tudo o que é forçado, um dia quebra. Até o afeto.

Ela, na pedra, suspira. Talvez pense em Camus e seu absurdo — o vazio da existência que nos empurra a preencher o peito com qualquer coisa. Ou qualquer um.

Melhor sofrer acompanhada do que encarar o silêncio do quarto vazio.

Mas será?

Simone de Beauvoir, que tão bem entendeu a costura entre liberdade e opressão, alertaria:

quando o outro define quem somos, já não somos.

A relação vira espelho trincado. E a gente se esquece do próprio rosto.

Ali, com a brisa salgada limpando a pele e o mar dizendo vai, ela talvez tenha entendido:

estar só não é solidão. É espaço.

Espaço para dançar descalça na sala.

Para errar sem pedir desculpas.

Para ouvir Tom Jobim com gosto — não com saudade.

 

Para lembrar que

“é impossível ser feliz sozinho”,

sim, mas talvez mais impossível ainda seja ser feliz mal acompanhado.

A liberdade é vertigem. A angústia, dizia Kierkegaard, é o preço da escolha.

Mas também é onde mora a fé.

Não no outro.

Em si.

É ali, no medo de saltar, que começa a coragem de voar.

O sol se foi.

As luzes da cidade acendem devagar.

Ela se levanta, sacode a areia —

e vai embora.

Não para alguém.

Mas para si mesma.

 

                                   Idalo Spatz

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