A Seta e o Alvo
- Idalo Spatz
- 14 de jul.
- 2 min de leitura
O céu arde em tons que nem mesmo um pintor ousaria misturar. Uma brisa leve entra pela janela do mundo e, com ela, a voz de Paulinho Moska sussurra um verso que suspende o tempo:
“Então me diz qual é a graça
de já saber o fim da estrada,
quando se parte rumo ao nada?”
Há perguntas que não pedem resposta — pedem reverência.
Quem exige o destino antes da caminhada talvez nunca tenha caminhado de verdade.
No Tao Te Ching, Lao-Tsé nos adverte com a serenidade de quem já viu tudo passar:
o caminho não é mapa — é dança.
A seta não existe para cravar o alvo, mas para voar.
Tentar saber o fim da estrada é como querer engarrafar o vento.
O Tao flui, e tentar contê-lo é perder o encanto da travessia.
A canção de Moska não é só melodia — é
filosofia em violão.
Canta a sabedoria do não-saber, e nisso encontra eco em Kierkegaard, que via no salto ao desconhecido a verdadeira liberdade.
Partir rumo ao “nada” é, para ele, um ato de fé — e de coragem.
É só diante do abismo que o eu se revela.
Espinosa já dizia: ser livre é compreender as próprias causas.
E caminhar sem um fim fixo é, talvez, a forma mais pura de liberdade.
Porque a graça está em ser parte do fluxo, e não senhor do trajeto.
Obcecar-se pelo alvo é ficar cego para o voo.
Sartre, com sua lucidez brutal, nos lembra:
a existência precede a essência.
Não há manual.
A vida é invenção.
E cada passo é uma afirmação de liberdade — mesmo que envolta em angústia.
Ali na pedra, um garoto observa o sol mergulhar no mar.
Ele não sabe o que vem depois — e por isso mesmo vive o agora com os olhos bem abertos.
Wu Wei, diria o Tao: agir sem forçar, mover-se com o mundo.
E se o “nada” for apenas o nome que damos ao que ainda não compreendemos?
Simone de Beauvoir diria que é justamente essa abertura que nos permite criar sentido — esculpir o destino com as próprias mãos.
Na arte, essa lição é antiga.
Um músico não se apaixona pela última nota.
Um poeta não escreve para a linha final.
A beleza mora no entre — na dobra, na curva, no improviso.
Volto pra casa enquanto o último acorde ainda vibra.
E penso: talvez o erro esteja em querer tudo já — o fim, o controle, a certeza.
Quando o segredo — se é que há —
está em deixar-se surpreender.
Como quem sabe que viver não é acertar o alvo —
é permitir que a seta voe.
Errante. E livre.
Idalo Spatz


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