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A Seta e o Alvo

O céu arde em tons que nem mesmo um pintor ousaria misturar. Uma brisa leve entra pela janela do mundo e, com ela, a voz de Paulinho Moska sussurra um verso que suspende o tempo:

Então me diz qual é a graça

de já saber o fim da estrada,

quando se parte rumo ao nada?”

Há perguntas que não pedem resposta — pedem reverência.

Quem exige o destino antes da caminhada talvez nunca tenha caminhado de verdade.

No Tao Te Ching, Lao-Tsé nos adverte com a serenidade de quem já viu tudo passar:

o caminho não é mapa — é dança.

A seta não existe para cravar o alvo, mas para voar.

Tentar saber o fim da estrada é como querer engarrafar o vento.

O Tao flui, e tentar contê-lo é perder o encanto da travessia.

A canção de Moska não é só melodia — é

 

filosofia em violão.

Canta a sabedoria do não-saber, e nisso encontra eco em Kierkegaard, que via no salto ao desconhecido a verdadeira liberdade.

Partir rumo ao “nada” é, para ele, um ato de fé — e de coragem.

É só diante do abismo que o eu se revela.

Espinosa já dizia: ser livre é compreender as próprias causas.

E caminhar sem um fim fixo é, talvez, a forma mais pura de liberdade.

Porque a graça está em ser parte do fluxo, e não senhor do trajeto.

Obcecar-se pelo alvo é ficar cego para o voo.

Sartre, com sua lucidez brutal, nos lembra:

a existência precede a essência.

Não há manual.

A vida é invenção.

E cada passo é uma afirmação de liberdade — mesmo que envolta em angústia.

 

Ali na pedra, um garoto observa o sol mergulhar no mar.

Ele não sabe o que vem depois — e por isso mesmo vive o agora com os olhos bem abertos.

Wu Wei, diria o Tao: agir sem forçar, mover-se com o mundo.

E se o “nada” for apenas o nome que damos ao que ainda não compreendemos?

Simone de Beauvoir diria que é justamente essa abertura que nos permite criar sentido — esculpir o destino com as próprias mãos.

Na arte, essa lição é antiga.

Um músico não se apaixona pela última nota.

Um poeta não escreve para a linha final.

A beleza mora no entre — na dobra, na curva, no improviso.

Volto pra casa enquanto o último acorde ainda vibra.

E penso: talvez o erro esteja em querer tudo já — o fim, o controle, a certeza.

Quando o segredo — se é que há —

 

está em deixar-se surpreender.

Como quem sabe que viver não é acertar o alvo —

é permitir que a seta voe.

Errante. E livre.

 

                                        Idalo Spatz

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