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Entre o Eu e o Oceano

A linha do horizonte era um poema inacabado entre o azul do céu e o sal das perguntas. Vi um homem sentado na pedra do Arpoador, olhando para o mar como quem buscava a si mesmo numa onda. Talvez ele não soubesse, mas naquele momento ele era todos nós: divididos, duplos, desfeitos — e ainda assim inteiros em algum lugar.

Há dias em que nossa alma se parte ao meio. Uma parte quer silêncio, a outra grita. Uma busca sentido, a outra só quer seguir respirando. O corpo vai, mas o pensamento insiste em voltar.

O coração escuta Jobim sussurrando ao fundo:

“São as águas de março fechando o verão…”

Mas dentro de nós, às vezes, ainda é inverno.

A dualidade não é uma falha. É o próprio movimento da vida.


Como o balanço das ondas que se afastam para depois retornar, somos também feitos de partidas e retornos. Platão já dizia que nossa alma se divide em três cavalos: o da razão, o da emoção e o do desejo. E quem nunca foi arrastado pelo cavalo errado que atire o primeiro gole de mate.

Os estoicos nos aconselhavam a domar as paixões com a rédea da razão. Espinosa, mais ousado, dizia que entender é libertar — que compreender o desejo é transformar a prisão em liberdade. Nietzsche, sempre ele, nos empurrava ao abismo do autoconhecimento: “Torna-te quem tu és.” Fácil dizer, difícil ser. E Kierkegaard — esse danado melancólico — lembrava que viver é escolher, e que cada escolha é uma perda irreparável.

Não somos um. Somos dois, três, talvez centenas.

A psicologia moderna tenta nomear essas forças — id, ego, sombra.

A filosofia, por sua vez, prefere perguntar: quem sou eu quando ninguém me observa? E quem sou quando me olho no espelho?

Há também a dualidade do Eu com o Outro. Aquele vizinho barulhento. A mãe exigente. O amor que foi embora deixando a xícara favorita e uma ausência no sofá. Sartre cravou que o inferno são os outros. Mas talvez o inferno seja não conseguir ser inteiro com ninguém. Camus nos lembra: “No meio do inverno, descobri dentro de mim um verão invencível.” Talvez a reconciliação com o Outro comece dentro de nós.

Mas o Tao — ah, o Tao… — sussurra diferente. Ele não quer que lutemos com a dualidade. Quer que a dancemos. Quer que a aceitemos como o vento que bagunça os cabelos sem pedir licença. O Yin e o Yang não brigam.


Eles se curvam um ao outro.

E assim nos ensinam: o Eu não é um bastião isolado, mas uma maré que se mistura com o Todo.

A pedra do Arpoador não separa mar e cidade. Ela os une.

Assim também somos nós. Ponto de encontro entre o dentro e o fora. Entre o desejo de ser livre e o medo de estar só. Entre a razão que organiza e a emoção que desorganiza com charme.

No fim daquela tarde, o homem se levantou, olhou o mar uma última vez e foi embora.


E eu fiquei ali, pensando se ele encontrou o que procurava. Ou se, como todos nós, ele apenas aprendeu a conviver com o mistério.

Como dizia Vinícius, “É melhor ser alegre que ser triste…”

Mas, às vezes, ser triste também é uma forma bonita de estar vivo.

 

                                        Idalo Spatz

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