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Padrão de rocha em camadas
  • 27 de jun.
  • 2 min de leitura

Na beira do Arpoador, entre um gole de mate e o vaivém das ondas, vi uma mulher olhando fixamente o celular.

A brisa soprava suave, os surfistas flutuavam como garças no horizonte, e ela, imóvel, esperava — não o mar, não o pôr do sol, mas uma resposta.

Talvez um emoji, uma frase vaga, uma gota de afeto.

É curioso como aceitamos migalhas quando acreditamos que estamos com fome.


Nietzsche dizia que "a maior parte da humanidade prefere crer em ilusões agradáveis do que encarar verdades amargas". E não há ilusão mais sedutora do que a de que o pouco que nos dão é o suficiente, desde que nos deem alguma coisa.


Mas o que são essas migalhas senão pedaços frios de um banquete emocional que nunca chega?

A filosofia nos dá as lentes para observar esse cenário com mais clareza.

Os estóicos — sábios como Epicteto ou Sêneca — ensinavam que a fonte da nossa dor está no apego ao que não controlamos. Esperar que o outro nos sirva amor como se estivéssemos num restaurante emocional é a receita perfeita para a frustração.


Já os existencialistas — Kierkegaard, Beauvoir, Camus — apontavam para algo ainda mais inquietante: somos responsáveis por aceitar o que nos fazem. Cada escolha é uma assinatura no contrato da nossa própria narrativa.

Quando aceitamos migalhas, não é só porque o outro nos dá pouco — é também porque não acreditamos que merecemos o banquete.


E o Tao?

Ah, o Tao... Ele sussurra com o vento e não

precisa provar nada. O Taoísmo, com sua poética simplicidade, nos lembra que o rio não mendiga por afluentes: ele flui. WuWei — agir sem forçar, amar sem prender, doar sem contar.

Amar de verdade é como caminhar pela areia: leve, desapegado, mas presente.

Não se espera o amor, vivese o amor.


Talvez por isso Vinícius tenha dito que "o amor é eterno enquanto dura" — porque ele é como a maré: não se prende, apenas vem e vai.


E se ao invés de pedir migalhas, sentássemos à mesa conosco? Epicuro já nos convidava para isso: o prazer genuíno está na amizade, na lucidez e na moderação.

É na sabedoria que nos tornamos fartos — não no outro.


A mulher ainda olhava o celular quando o sol mergulhou no mar, e pela primeira vez ela levantou os olhos. Sorriu, tímida, como quem percebe, enfim, que o céu é bem mais bonito que as notificações. Era um começo. Pequeno, mas inteiro. Idalo Spatz

 
  • 25 de jun.
  • 2 min de leitura

No alto do Vidigal, uma moça se equilibra para tirar a foto perfeita. Atrás dela, o vazio. À frente, o celular. Nada entre um e outro. Nada além de aplausos virtuais que ela ainda não recebeu, mas já antecipa. Ela sorri, mas seu corpo está rígido. Não há contemplação naquele gesto, só tensão. É o momento exato em que a aventura se desfaz em performance.


Dias depois, outra manchete: mais uma tragédia em trilha "paradisíaca". Alguém caiu, alguém sumiu, alguém não voltou. Um "passeio radical" que terminou em silêncio.

E me pergunto: desde quando buscar o sublime virou sinônimo de flertar com o limite?

Não se trata de coragem. Coragem é mergulhar dentro, não se pendurar fora.

Nietzsche dizia que "aquele que luta com monstros deve cuidar para não se tornar

um". Mas às vezes, o monstro mora no espelho com filtro de paisagem.

E é alimentado a cada curtida.

O Taoísmo nos diria que quem busca o extraordinário fora, esquece o extraordinário que já habita o agora. Que quem força a natureza, será por ela engolido — não por castigo, mas por descompasso.

Existe uma diferença sutil entre aventura e compulsão por transcendência. Quando subir o morro vira obrigação, e não escolha. Quando o risco é anestésico para um tédio existencial. Quando o corpo, frágil e urbano, se veste de guerreiro apenas para registrar que "venceu a montanha" — mesmo que tenha perdido a si mesmo no caminho.

Espinosa falava que somos movidos pelo desejo de perseverar no ser. Mas há quem confunda perseverança com exibição. Há quem vá à floresta não para ouvir a mata, mas para vencer o silêncio que o próprio peito já não suporta.

Kierkegaard nos alertava: o desespero moderno é o da fuga de si. E a trilha, o cume, a escalada — tudo isso pode ser beleza ou fuga. Caminho ou escudo.

A trilha mais perigosa é a da expectativa.

A de ter que viver experiências impactantes, intensas, radicais — como se a vida só valesse se testasse seus próprios limites. Mas o Tao ensina que a grandeza está no meio. No caminho do meio. Na trilha que respeita a topografia do corpo e a topografia da alma. Tom Jobim, que amava as pedras e os rios, dizia:

"É impossível ser feliz sozinho..." E eu diria: também é impossível ser feliz se você está sempre competindo com o abismo — por aprovação.

No Arpoador, a maré sobe mansa. A jovem que caminha ali não precisa escalar nada para se sentir viva. Ela sente o vento. Isso basta.

O verdadeiro radicalismo, talvez, seja não ter pressa.

É sentar-se na pedra e ver o sol descer.

Sem foto.

Sem legenda.

Sem prova.

A aventura mais bonita é aquela que nos reconcilia com o corpo.

Que não exige do mundo um espetáculo — mas que devolve ao mundo nossa escuta.

No fim do dia, o mar engole mais uma trilha.

A montanha permanece.

O vento sussurra.

E quem escuta, volta inteiro.

Idalo Spatz

 
  • 22 de jun.
  • 2 min de leitura

Atualizado: 25 de jun.

Há um velho ditado taoísta que diz:

“Quem ri por último não entendeu a piada a tempo.”

Brincadeiras à parte, o Tao nos ensina que tudo carrega seu oposto:

o riso contém a dor, o aplauso esconde a ferida,

e o silêncio depois da piada pode ser tanto cumplicidade quanto resistência.

Chuang Tzu, mestre do deslocamento, zombava dos sábios que levavam tudo a ferro e fogo —

mas sabia que a leveza só é verdadeira quando não esmaga ninguém.

Contava histórias de sapos que achavam seu poço o universo inteiro,

e de borboletas que não sabiam se eram sonho ou sonhadoras.

Seu humor não excluía: deslocava.

Fazia rir para lembrar que nenhum ponto de vista é absoluto —

nem mesmo o do palhaço no palco.

Nietzsche, outro que aprecio, dizia que a verdade é “uma tropa de metáforas móveis”

e fazia do riso uma de suas armas mais afiadas.

Mas advertia: quando a piada vira dogma,

quando o riso se torna escudo para ferir,

o que chamamos de liberdade pode ser apenas a licença dos fortes para humilhar.

O verdadeiro espírito livre ri com — nunca de.

Hannah Arendt, com sua lucidez cortante, lembrava que o espaço público —

seja o palco, seja a praça — nunca é neutro.

Toda gargalhada é política.

Todo silêncio também.

Quando uma piada normaliza o que deveria ser questionado,

o público não está apenas se divertindo — está pactuando.

E quem recusa esse pacto, quem segura o riso ou respira fundo,

não está censurando: está cuidando.

O Tao não condena o humor, mas convida à escuta.

Convida ao discernimento.

“O sábio não tem opiniões inflexíveis”, diz Lao-Tsé.

Ele flui.

E fluir, às vezes, é saber que há piadas que não libertam — apenas repetem.

Que certos risos não iluminam — apenas distraem.

E que a graça que dói em alguém já deixou de ser graça.

Não se trata de abolir a comédia, mas de lembrar que ela, como tudo, tem seu yin e yang:

um riso que expande e outro que oprime,

um que desarma e outro que fere.

No meio disso, nossa escolha é simples — e difícil:

rir com o mundo, nunca contra alguém.

Ou, como diria Chuang Tzu entre um gole de chá e uma gargalhada:

“O caminho se abre para quem não insiste em ser dono da verdade — nem mesmo da piada.”

Fica, então, o convite:

que nosso humor seja como a água — que contorna pedras, em vez de quebrá-las.

E que nosso silêncio, quando necessário, seja o leito profundo onde nasce uma nova ética.

Nem toda piada vem para fazer rir.

Às vezes, o riso vem depois da exclusão.

Às vezes, o aplauso esconde o som da ferida.

O palco não é neutro.

A gargalhada não é inocente.

E o silêncio que segue depois de certas piadas não é desconforto — é sobrevivência.

Isso não é sobre um nome.

É sobre tudo o que deixamos passar como arte,

quando é só repetição do que sempre feriu.

Não se trata de censura.

Se trata de escuta.

De saber quando a liberdade virou licença para ferir —

e quando o desconforto virou cuidado.

Rir é também política.

E às vezes, não rir é o começo de uma outra ética.

Idalo Spatz

 

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