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Piadas e Liberdade de Expressão

Atualizado: 25 de jun.

Há um velho ditado taoísta que diz:

“Quem ri por último não entendeu a piada a tempo.”

Brincadeiras à parte, o Tao nos ensina que tudo carrega seu oposto:

o riso contém a dor, o aplauso esconde a ferida,

e o silêncio depois da piada pode ser tanto cumplicidade quanto resistência.

Chuang Tzu, mestre do deslocamento, zombava dos sábios que levavam tudo a ferro e fogo —

mas sabia que a leveza só é verdadeira quando não esmaga ninguém.

Contava histórias de sapos que achavam seu poço o universo inteiro,

e de borboletas que não sabiam se eram sonho ou sonhadoras.

Seu humor não excluía: deslocava.

Fazia rir para lembrar que nenhum ponto de vista é absoluto —

nem mesmo o do palhaço no palco.

Nietzsche, outro que aprecio, dizia que a verdade é “uma tropa de metáforas móveis”

e fazia do riso uma de suas armas mais afiadas.

Mas advertia: quando a piada vira dogma,

quando o riso se torna escudo para ferir,

o que chamamos de liberdade pode ser apenas a licença dos fortes para humilhar.

O verdadeiro espírito livre ri com — nunca de.

Hannah Arendt, com sua lucidez cortante, lembrava que o espaço público —

seja o palco, seja a praça — nunca é neutro.

Toda gargalhada é política.

Todo silêncio também.

Quando uma piada normaliza o que deveria ser questionado,

o público não está apenas se divertindo — está pactuando.

E quem recusa esse pacto, quem segura o riso ou respira fundo,

não está censurando: está cuidando.

O Tao não condena o humor, mas convida à escuta.

Convida ao discernimento.

“O sábio não tem opiniões inflexíveis”, diz Lao-Tsé.

Ele flui.

E fluir, às vezes, é saber que há piadas que não libertam — apenas repetem.

Que certos risos não iluminam — apenas distraem.

E que a graça que dói em alguém já deixou de ser graça.

Não se trata de abolir a comédia, mas de lembrar que ela, como tudo, tem seu yin e yang:

um riso que expande e outro que oprime,

um que desarma e outro que fere.

No meio disso, nossa escolha é simples — e difícil:

rir com o mundo, nunca contra alguém.

Ou, como diria Chuang Tzu entre um gole de chá e uma gargalhada:

“O caminho se abre para quem não insiste em ser dono da verdade — nem mesmo da piada.”

Fica, então, o convite:

que nosso humor seja como a água — que contorna pedras, em vez de quebrá-las.

E que nosso silêncio, quando necessário, seja o leito profundo onde nasce uma nova ética.

Nem toda piada vem para fazer rir.

Às vezes, o riso vem depois da exclusão.

Às vezes, o aplauso esconde o som da ferida.

O palco não é neutro.

A gargalhada não é inocente.

E o silêncio que segue depois de certas piadas não é desconforto — é sobrevivência.

Isso não é sobre um nome.

É sobre tudo o que deixamos passar como arte,

quando é só repetição do que sempre feriu.

Não se trata de censura.

Se trata de escuta.

De saber quando a liberdade virou licença para ferir —

e quando o desconforto virou cuidado.

Rir é também política.

E às vezes, não rir é o começo de uma outra ética.

Idalo Spatz

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