Piadas e Liberdade de Expressão
- Idalo Spatz
- 22 de jun.
- 2 min de leitura
Atualizado: 25 de jun.
Há um velho ditado taoísta que diz:
“Quem ri por último não entendeu a piada a tempo.”
Brincadeiras à parte, o Tao nos ensina que tudo carrega seu oposto:
o riso contém a dor, o aplauso esconde a ferida,
e o silêncio depois da piada pode ser tanto cumplicidade quanto resistência.
Chuang Tzu, mestre do deslocamento, zombava dos sábios que levavam tudo a ferro e fogo —
mas sabia que a leveza só é verdadeira quando não esmaga ninguém.
Contava histórias de sapos que achavam seu poço o universo inteiro,
e de borboletas que não sabiam se eram sonho ou sonhadoras.
Seu humor não excluía: deslocava.
Fazia rir para lembrar que nenhum ponto de vista é absoluto —
nem mesmo o do palhaço no palco.
Nietzsche, outro que aprecio, dizia que a verdade é “uma tropa de metáforas móveis”
e fazia do riso uma de suas armas mais afiadas.
Mas advertia: quando a piada vira dogma,
quando o riso se torna escudo para ferir,
o que chamamos de liberdade pode ser apenas a licença dos fortes para humilhar.
O verdadeiro espírito livre ri com — nunca de.
Hannah Arendt, com sua lucidez cortante, lembrava que o espaço público —
seja o palco, seja a praça — nunca é neutro.
Toda gargalhada é política.
Todo silêncio também.
Quando uma piada normaliza o que deveria ser questionado,
o público não está apenas se divertindo — está pactuando.
E quem recusa esse pacto, quem segura o riso ou respira fundo,
não está censurando: está cuidando.
O Tao não condena o humor, mas convida à escuta.
Convida ao discernimento.
“O sábio não tem opiniões inflexíveis”, diz Lao-Tsé.
Ele flui.
E fluir, às vezes, é saber que há piadas que não libertam — apenas repetem.
Que certos risos não iluminam — apenas distraem.
E que a graça que dói em alguém já deixou de ser graça.
Não se trata de abolir a comédia, mas de lembrar que ela, como tudo, tem seu yin e yang:
um riso que expande e outro que oprime,
um que desarma e outro que fere.
No meio disso, nossa escolha é simples — e difícil:
rir com o mundo, nunca contra alguém.
Ou, como diria Chuang Tzu entre um gole de chá e uma gargalhada:
“O caminho se abre para quem não insiste em ser dono da verdade — nem mesmo da piada.”
Fica, então, o convite:
que nosso humor seja como a água — que contorna pedras, em vez de quebrá-las.
E que nosso silêncio, quando necessário, seja o leito profundo onde nasce uma nova ética.
Nem toda piada vem para fazer rir.
Às vezes, o riso vem depois da exclusão.
Às vezes, o aplauso esconde o som da ferida.
O palco não é neutro.
A gargalhada não é inocente.
E o silêncio que segue depois de certas piadas não é desconforto — é sobrevivência.
Isso não é sobre um nome.
É sobre tudo o que deixamos passar como arte,
quando é só repetição do que sempre feriu.
Não se trata de censura.
Se trata de escuta.
De saber quando a liberdade virou licença para ferir —
e quando o desconforto virou cuidado.
Rir é também política.
E às vezes, não rir é o começo de uma outra ética.
Idalo Spatz


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