- 22 de set.
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Era uma manhã azul sobre o mar do Arpoador.
O sol, tímido, dourava as ondas pequenas com o cuidado de quem acende uma vela.
O vendedor de mate passava, se preparando para um longo dia.
Senhores jogavam dominó na sombra.
Uma moça caminhava sozinha, sorrindo para o nada — ou para tudo.
Nos meus fones, os Titãs:
“Devia ter amado mais, ter chorado mais...”
Ah, o velho lamento moderno.
Um epitáfio cantado com a sabedoria que só chega tarde demais.
Mas... será mesmo tarde?
Espinosa dizia que o arrependimento não é virtude — é só a falta de compreensão da ordem natural das coisas. Nada poderia ter sido diferente. Tudo o que é, é como devia ser.
O Tao, ao lado, sorri com os olhos fechados:
Wu Wei, meu caro — agir sem forçar, viver sem brigar com a maré.
O que passou, passou, como o bonde antigo da saudade que desce pelas ladeiras de Santa Teresa: não se corre atrás. Melhor sentar, abrir um mate gelado e ver o pôr do sol no Arpoador.
“Devia ter aceitado as pessoas como elas são.”
Sim.
Porque tentar forçar o mundo a caber no nosso molde é como querer represar o mar com as mãos. O Tao — e também Sartre — nos lembram que a liberdade do outro é incontrolável.
E é justamente aí que mora o abismo... e a beleza.
Aceitar é um ato raro de coragem.
De amor.
“O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído.”
Essa frase tem cheiro de mar e filosofia zen.
Andar distraído é confiar.
É viver sem mapa.
Deixar que o vento leve, como o samba que nasce no improviso.
Não é alienação — é fé no fluxo.
É o jeito carioca e taoísta de existir: leveza como resistência.
E então o verso que corta, como navalha doce:
“Devia ter morrido de amor.”
Mas quem morre de amor... morre vivo.
Desaparece do ego e aparece no mundo.
É isso que Espinosa chamava de beatitudo — o contentamento de quem vive de acordo com sua natureza. Não se luta contra a onda. Surfa-se nela.
Epitáfio, no fim, não é só lamento — é aprendizado.
Uma brisa boa soprando da Lagoa ao Vidigal, dizendo baixinho, como quem não quer atrapalhar a manhã: ainda dá tempo.
De se distrair com o agora.
De amar como quem se molha numa chuva de verão.
De trabalhar menos e olhar mais o céu.
De viver sem medo da falta, porque o acaso, no fundo, é só outro nome do Tao — e o Rio, talvez, seja o lugar onde ele mais gosta de passear.
Idalo Spatz
