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Epitáfio

Era uma manhã azul sobre o mar do Arpoador.

O sol, tímido, dourava as ondas pequenas com o cuidado de quem acende uma vela.

O vendedor de mate passava, se preparando para um longo dia.

Senhores jogavam dominó na sombra.

Uma moça caminhava sozinha, sorrindo para o nada — ou para tudo.


Nos meus fones, os Titãs:

“Devia ter amado mais, ter chorado mais...”

Ah, o velho lamento moderno.

Um epitáfio cantado com a sabedoria que só chega tarde demais.

Mas... será mesmo tarde?

Espinosa dizia que o arrependimento não é virtude — é só a falta de compreensão da ordem natural das coisas. Nada poderia ter sido diferente. Tudo o que é, é como devia ser.


O Tao, ao lado, sorri com os olhos fechados:

Wu Wei, meu caro — agir sem forçar, viver sem brigar com a maré.

O que passou, passou, como o bonde antigo da saudade que desce pelas ladeiras de Santa Teresa: não se corre atrás. Melhor sentar, abrir um mate gelado e ver o pôr do sol no Arpoador.


“Devia ter aceitado as pessoas como elas são.”

Sim.


Porque tentar forçar o mundo a caber no nosso molde é como querer represar o mar com as mãos. O Tao — e também Sartre — nos lembram que a liberdade do outro é incontrolável.

E é justamente aí que mora o abismo... e a beleza.

Aceitar é um ato raro de coragem.

De amor.


“O acaso vai me proteger enquanto eu andar distraído.”

Essa frase tem cheiro de mar e filosofia zen.

Andar distraído é confiar.

É viver sem mapa.

Deixar que o vento leve, como o samba que nasce no improviso.

Não é alienação — é fé no fluxo.

É o jeito carioca e taoísta de existir: leveza como resistência.


E então o verso que corta, como navalha doce: 

“Devia ter morrido de amor.”

Mas quem morre de amor... morre vivo.

Desaparece do ego e aparece no mundo.

É isso que Espinosa chamava de beatitudo — o contentamento de quem vive de acordo com sua natureza. Não se luta contra a onda. Surfa-se nela.

Epitáfio, no fim, não é só lamento — é aprendizado.

Uma brisa boa soprando da Lagoa ao Vidigal, dizendo baixinho, como quem não quer atrapalhar a manhã: ainda dá tempo.

De se distrair com o agora.

De amar como quem se molha numa chuva de verão.

De trabalhar menos e olhar mais o céu.

De viver sem medo da falta, porque o acaso, no fundo, é só outro nome do Tao — e o Rio, talvez, seja o lugar onde ele mais gosta de passear.

 

                                       Idalo Spatz

 

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