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A sua dor me toca

Ela sentou-se ao meu lado na mureta do Arpoador em silêncio.

Tinha os olhos vermelhos, não do sol que se punha devagar, mas de quem já vinha ardendo por dentro há horas.

Não nos conhecíamos — e talvez fosse melhor assim.

Às vezes, estranhos são os únicos capazes de nos enxergar sem julgamentos.

Ela não pediu nada. Não contou nada.

Mas a dor estava ali, nítida como o horizonte entre o Morro Dois Irmãos e o céu.

Naquele instante, entendi que não se tratava de entender, nem de resolver —

era sobre não virar o rosto.


Ficar. Respirar junto.

Ser companhia, ainda que muda.

Espinosa, com sua ética da alegria possível, diria que o verdadeiro bem é aquele que aumenta a potência de existir.

E naquele momento, o simples fato de não fugir da dor do outro já era ato ético — e talvez até amoroso.

Apenas deixei claro: a sua dor me toca.


Nietzsche nos ensinou que a compaixão, para ser grande, não deve infantilizar o outro, mas reconhecê-lo como irmão no abismo.

“É preciso ainda ter caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante.”

Pois ali estávamos nós: dois pequenos caos em silêncio, sob o esplendor alaranjado de uma estrela em queda.


Kierkegaard diria que o desespero não é sofrer — é sofrer sozinho.

Por isso, às vezes, o melhor que podemos oferecer a alguém é não deixá-lo sozinho em sua queda.

Não dar conselhos, nem soluções rápidas, nem frases feitas — mas um pouco de presença que aquece, como o último raio de sol no ombro nu.


 "Tristeza não tem fim, felicidade sim..."

cantava Tom Jobim em minha cabeça, enquanto ela se levantava devagar, acenando com os olhos.

E foi embora.

Não sorriu. Mas também não soluçava mais.

Na filosofia do Tao, diz-se que “aquele que permanece vazio pode conter o mundo.”

Naquele instante, entendi: minha função ali não era “fazer” nada.

Era apenas ser espaço.

Aberto. Sensível. Silencioso.

Como o mar quando acolhe, sem perguntar de onde vem a lágrima.

 

                                       Idalo Spatz

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