top of page

O perigo do simplismo

No Arpoador, o mar nunca é só mar.

Às vezes é verde-escuro, às vezes azul-claro.

Às vezes violento, às vezes manso.

Quem olha de longe e diz: “o mar é sempre igual” nunca molhou os pés na beira da onda.

O simplismo é isso: a pressa de achar que entendeu.

Vivemos num tempo em que o simplismo virou moeda corrente.

Explicações rápidas, frases de efeito, certezas instantâneas.

Como se a vida coubesse em 140 caracteres.

Como se a verdade fosse uma xícara rasa de café, quando na verdade é oceano profundo.

Nietzsche já alertava que “não existem fatos, apenas interpretações”.

O problema é quando reduzimos interpretações a slogans — e confundimos isso com verdade.

O simplismo nos rouba a nuance, essa poesia escondida nos detalhes.

Ele nos prende na superfície, onde tudo parece claro, mas nada é realmente visto.

 

Espinosa, com sua serenidade geométrica, lembrava que compreender é ampliar.

O simplismo faz o contrário: encolhe. Reduz o que é vasto a um ponto.

Como tentar explicar uma sinfonia inteira com uma única nota.

E não pense que isso é inofensivo. O simplismo abre espaço para manipulações.

Quem controla a narrativa simples controla corações apressados.

É o caldo perfeito para a pós-verdade, onde fatos e opiniões se misturam como espuma que engana o olhar. Quem nunca viu miragens no asfalto quente do Rio de janeiro?

Assim também são as “verdades” simplistas: parecem água, mas secam ao toque.

O Tao nos ensina que a realidade é fluxo, mudança, contradição. “O caminho que pode ser dito não é o caminho eterno.” Traduzindo: toda verdade que se apresenta como definitiva merece desconfiança. A vida é feita de paradoxos. Aceitar isso não nos enfraquece — nos amadurece.

Talvez por isso a democracia sofra tanto com discursos simplistas.


Eles oferecem alívio imediato, como analgésicos baratos, mas escondem a complexidade necessária ao debate. O preço? Um pensamento líquido demais, que não sustenta ponte alguma.

Kierkegaard sorriria melancólico: “A angústia é a vertigem da liberdade.”

E parte dessa liberdade está em suportar a complexidade da verdade.

Do contrário, vivemos em bolhas confortáveis, mas cegas.

No fim da tarde, o sol beija o mar no Arpoador.

Se eu dissesse apenas “foi bonito”, reduziria demais.

A beleza está na criança que corre atrás da bola, no pescador que observa as marés, no casal que discute baixinho sobre a vida, no acorde perdido de violão vindo de Ipanema.

A cena não cabe em resumo — só em presença.

E é isso que o simplismo nos rouba: a inteireza do instante.

 

 

                                    Idalo Spatz

Comentários


Contato

+55 021 988462244

©2022 por Tuina para você. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page