O perigo do simplismo
- Idalo Spatz
- 6 de out.
- 2 min de leitura
No Arpoador, o mar nunca é só mar.
Às vezes é verde-escuro, às vezes azul-claro.
Às vezes violento, às vezes manso.
Quem olha de longe e diz: “o mar é sempre igual” nunca molhou os pés na beira da onda.
O simplismo é isso: a pressa de achar que entendeu.
Vivemos num tempo em que o simplismo virou moeda corrente.
Explicações rápidas, frases de efeito, certezas instantâneas.
Como se a vida coubesse em 140 caracteres.
Como se a verdade fosse uma xícara rasa de café, quando na verdade é oceano profundo.
Nietzsche já alertava que “não existem fatos, apenas interpretações”.
O problema é quando reduzimos interpretações a slogans — e confundimos isso com verdade.
O simplismo nos rouba a nuance, essa poesia escondida nos detalhes.
Ele nos prende na superfície, onde tudo parece claro, mas nada é realmente visto.
Espinosa, com sua serenidade geométrica, lembrava que compreender é ampliar.
O simplismo faz o contrário: encolhe. Reduz o que é vasto a um ponto.
Como tentar explicar uma sinfonia inteira com uma única nota.
E não pense que isso é inofensivo. O simplismo abre espaço para manipulações.
Quem controla a narrativa simples controla corações apressados.
É o caldo perfeito para a pós-verdade, onde fatos e opiniões se misturam como espuma que engana o olhar. Quem nunca viu miragens no asfalto quente do Rio de janeiro?
Assim também são as “verdades” simplistas: parecem água, mas secam ao toque.
O Tao nos ensina que a realidade é fluxo, mudança, contradição. “O caminho que pode ser dito não é o caminho eterno.” Traduzindo: toda verdade que se apresenta como definitiva merece desconfiança. A vida é feita de paradoxos. Aceitar isso não nos enfraquece — nos amadurece.
Talvez por isso a democracia sofra tanto com discursos simplistas.
Eles oferecem alívio imediato, como analgésicos baratos, mas escondem a complexidade necessária ao debate. O preço? Um pensamento líquido demais, que não sustenta ponte alguma.
Kierkegaard sorriria melancólico: “A angústia é a vertigem da liberdade.”
E parte dessa liberdade está em suportar a complexidade da verdade.
Do contrário, vivemos em bolhas confortáveis, mas cegas.
No fim da tarde, o sol beija o mar no Arpoador.
Se eu dissesse apenas “foi bonito”, reduziria demais.
A beleza está na criança que corre atrás da bola, no pescador que observa as marés, no casal que discute baixinho sobre a vida, no acorde perdido de violão vindo de Ipanema.
A cena não cabe em resumo — só em presença.
E é isso que o simplismo nos rouba: a inteireza do instante.
Idalo Spatz


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