Entre o desejo e o valor
- Idalo Spatz
- 25 de set.
- 2 min de leitura
No Arpoador, a brisa da tarde sopra como quem sopra brasas antigas.
Os corpos passam pelo calçadão como ondas que nunca se repetem — cada um com sua história, seus brilhos, suas sombras. Ali, percebo uma cena corriqueira: olhares rápidos, atentos, que medem, avaliam, desejam. Um desejo que, por vezes, se confunde com valorização.
Mas será que ser desejado é o mesmo que ser valorizado?
O corpo, claro, é a primeira linguagem. Ele desperta, provoca, seduz. É ritmo de samba e silêncio de bossa nova. É pele dourada pelo sol de Ipanema, é o gesto involuntário de ajeitar o cabelo contra o vento. O corpo fala antes da palavra — e muitas vezes, fala mais alto.
Mas o desejo que nasce dele é fugaz, como onda que se quebra e desaparece na areia.
Nietzsche diria que o desejo, sozinho, não sustenta: é preciso transbordar para além da superfície, afirmar a vida em sua inteireza. E Kierkegaard lembraria que o desespero nasce justamente quando confundimos a aparência com a essência — quando o “ser” se apequena diante do “parecer”.
A alma, essa sim, é fonte de luz.
É energia que não se apaga com o tempo.
Desejar pode ser instinto; valorizar, porém, é escolha.
O Tao nos ensina que a flor não disputa aplausos: simplesmente exala o perfume.
Assim também a alma — sua beleza não está em ser desejada, mas em irradiar.
E a mente, companheira inquieta, traz a disciplina do estudo, o alicerce do conhecimento, o refinamento da educação.
Espinosa nos diria que é justamente pelo entendimento que ampliamos nossa liberdade — e talvez também nossa capacidade de amar sem reduzir o outro a mero objeto de desejo.
Ser desejado é como ser o pôr do sol no Arpoador: todos param, todos olham, todos suspiram.
Ser valorizado é como o mar que continua depois do espetáculo: profundo, constante, vital.
A harmonia, talvez, esteja em unir os dois — permitir-se o calor do desejo, sem perder a dignidade do valor. Aceitar o corpo como porta de entrada, a alma como chama e a mente como guia.
Vinicius cantava que “a vida é a arte do encontro”.
Pois encontro verdadeiro é aquele em que o corpo chama, a alma ilumina e a mente sustenta.
E então, no balanço das ondas, penso: o amor só floresce quando o desejo não sufoca, mas reverencia.
Quando o olhar não mede, mas contempla.
Quando ser desejado não exclui ser valorizado — e os dois se tornam apenas modos diferentes de celebrar o milagre de existir.
No fim, o corpo pode seduzir.
Mas é a alma que fica.
E a mente que ensina a reconhecer.
Porque ser desejado é ser visto.
Ser valorizado é ser lembrado.
E os dois, juntos, é aprender a ser infinito.
Idalo Spatz


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