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Me Engana Que Eu Gosto

Outro dia, no calçadão do Arpoador, ouvi uma senhora comentar: “Você viu o que disseram daquele político? Tá tudo explicado agora!”. Não era uma conversa, era uma certeza. Uma frase colada na alma como manchete de jornal velho, mas reciclada por um vídeo novo, de fonte duvidosa, reenviado por alguém “de confiança”.

No fundo, ela não queria saber a verdade — queria confirmar o que já acreditava.

Estamos na era da Inteligência Artificial, mas a manipulação continua artesanal: moldada à mão, com as digitais suadas do nosso desejo de ter razão. Não é mais o “Big Brother” que vigia. Agora somos nós que damos bom dia ao algoritmo e contamos a ele nossos medos, nossas manias, nossas feridas. E ele, solícito, nos entrega exatamente o que queremos ouvir — e não o que precisamos pensar.

 

Espinosa dizia que “os homens se creem livres porque são conscientes de suas ações, mas ignoram as causas pelas quais são levados a agir”. Nunca essa frase pareceu tão atual. Somos livres? Ou estamos apenas reagindo a um card inflamatório, a uma frase de efeito, a uma manchete que reforça nossos preconceitos?

O Tao, com sua sabedoria líquida, nos ensinaria a observar o fluxo sem nos afogar nele. Wu Wei — o agir sem forçar — talvez nos diria para ler menos manchetes e mais silêncios. Para desconfiar das certezas que vêm fácil, das indignações que chegam editadas. Porque, como diria Vinícius, “as muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental” — e há beleza, também, na dúvida. Na pausa. No não saber.

Nietzsche nos provocava a desconfiar das verdades coletivas, pois “o indivíduo sempre teve que lutar para não ser subjugado pela tribo”. O problema é que hoje a tribo tem Wi-Fi, dados ilimitados e uma fúria moral sem freios. A nova praça pública é a timeline, onde se acendem tochas e se queimam reputações — nem sempre com critério, quase sempre com paixão.

A inteligência artificial só é perigosa porque estamos nos tornando emocionalmente previsíveis. O problema não está no código, mas na carência. Queremos pertencer, queremos afirmar, queremos vencer debates que nunca começamos de fato. Estamos viciados na indignação de delivery.

Mas e se, por um instante, a gente sentasse na pedra do Arpoador, deixasse o celular de lado e ouvisse o mar dizendo que tudo passa — inclusive as certezas?

 

Talvez aí a inteligência não precisasse mais ser artificial. Bastaria ser viva.

 

                                         Idalo Spatz

 

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