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O Preço de Pensar

O sol escorria preguiçoso sobre a pedra do Arpoador, tingindo de ouro o Atlântico e silenciando os barulhos do mundo. Ao meu lado, um senhor de sandálias gastas lia “Apologia de Sócrates” como quem consulta um manual de sobrevivência. Era o fim de tarde e ele murmurava com os olhos: “Quem pensa demais, vive de menos… ou vive demais?”

Fiquei ali, escutando com o corpo, como se as ondas carregassem o que a cidade não suporta ouvir: a verdade.

Desde Sócrates, essa verdade se arrasta feito sombra de poste — sempre ali, mas sempre ignorada. Pensar demais é um ato perigoso. Assusta. Isola. Expõe.

Enquanto a maioria celebra o espetáculo do óbvio, quem ousa pensar torna-se subversivo.

Como dizia Nietzsche, “a verdade é feia. Temos arte para não morrer da verdade.”

E temos carnaval, futebol e redes sociais também.


A multidão não teme a ignorância — ela a transforma em cultura pop, slogan de campanha, jargão de autoajuda. O que ela teme é o sujeito que olha de lado, que desafina no coro, que pergunta: “e se for tudo ilusão?” Como dizia Camus, “nomear o absurdo é recusar-se a ser cúmplice dele.”

Só que, convenhamos, ninguém gosta do colega que desliga a música no meio da festa.

Sócrates foi condenado por corromper a juventude. Mas o que ele corrompia mesmo era o sossego das certezas. A cada “por quê?” que lançava, desmontava uma parede da caverna de Platão.

O problema nunca foi a juventude, foi a luz.

E o mundo segue o mesmo. Crucifica quem pensa, canoniza quem entretém.

Vive-se a era do “like”, mas quem disse que se pode “curtir” a verdade?


Ela exige silêncio, exige desconforto, exige um tipo de coragem que não dá ibope.

No calçadão de Ipanema, há sempre alguém vendendo certezas.

Mas ali no Arpoador, entre o sal e a pedra, o vento me confidenciou um segredo: pensar demais é como entrar no mar com roupa.

Pesa. Resfria. Mas limpa.

Espinosa ensinou que a liberdade não é ausência de medo, mas compreensão das causas.

E Kierkegaard completaria: compreender as causas é encarar o desespero de frente

— e não fugir dele.

Então a pergunta é simples e devastadora:

Você quer conforto ou quer verdade?

Porque raramente os dois andam juntos. E quase nunca pegam o mesmo ônibus.

No fundo, ser sábio talvez seja como ser o mar: constante e imprevisível, calmo e revolto, acolhedor e assustador — e, sobretudo, incompreendido pela superfície.


Como diria Vinícius, “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.”

E talvez o maior desencontro seja entre o que pensamos e o que ousamos dizer.

Se Sócrates voltasse hoje, talvez nem fosse julgado.

Bastava postar uma ideia no X e ver a crucificação em forma de comentários.

Ainda assim, sob o pôr do sol do Arpoador, sigo preferindo o silêncio cheio de perguntas à certeza vazia das manchetes.

 

                                       Idalo Spatz

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