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Oceano

 

Ainda era cedo no Arpoador. A cidade despertava num azul entre neblinas e promessas, enquanto as ondas quebravam com a mesma melancolia dos versos de Djavan. Eu observava o mar — esse velho espelho de quem ama demais — e me perguntava: como pode tanta beleza coexistir com tamanha ausência?

“Assim que o dia amanheceu lá no mar alto da paixão / Dava pra ver o tempo ruir.” E dava mesmo. O tempo ruía dentro de mim como prédio antigo em dia de chuva. Quem já acordou sentindo a falta de alguém sabe: o amor, quando parte, deixa o tempo sem chão.

Espinosa talvez dissesse que tudo é expressão de Deus — até essa dor salgada que insiste em ficar na garganta. E, ainda assim, há algo de divino no abandono: uma entrega sem garantias, um afeto que persiste, mesmo diante do silêncio. O amor verdadeiro, segundo ele, não é posse, é potência. Mas como alcançar a beatitude se o coração ainda espera uma mensagem que não vem?

Na praia, as senhoras faziam tai chi com lentidão orquestrada — taoístas sem saber.


O Tao nos ensina que resistir ao fluxo é sofrer. E ali, com os pés na areia fria, eu quase compreendia: amar é deixar desaguar. “Você deságua em mim, e eu, oceano.”

Sartre, do alto de seu existencialismo desencantado, talvez risse da minha angústia matinal. Para ele, amar é desejar ser necessário a alguém essencialmente livre. Talvez seja isso que mais fere — o outro poder ir embora, e ir. Mesmo assim, insisto. Porque amar também é aceitar essa liberdade como parte do pacto.

Há, nessa letra, uma entrega que me comove: “Só sei viver se for por você.” Mas viver por alguém não seria esquecer de si? Fromm alertou: o amor maduro preserva a individualidade. Ainda assim, quantas vezes confundimos amor com fusão? Quantas vezes queremos ser mar, areia, céu — tudo, menos só?

O carioca, dizem, sabe rir da própria dor. Não sei. Às vezes, a gente só aprende a flutuar depois de quase afundar. Mas hoje, com o sol abrindo espaço entre as nuvens e o cheiro de maresia colado na pele, algo em mim já não quer mais resistir. A saudade vira espuma. O nome esquecido balança como barco longe. E o tempo — esse mesmo que ruía — começa a respirar.

O mar continua aqui, repetindo-se, como Djavan: “Somos assim, oceano e fim.”

Mas talvez o fim seja só o começo do próximo mergulho.

 

                                         Idalo Spatz

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