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Quem é você na fila do pão

No balcão de uma  padaria da esquina, cada um espera o seu pedaço de vida embrulhado pra viagem. O balconista nem desconfia, mas o “pão francês” é apenas pretexto: o que se busca mesmo é um certo conforto invisível, uma pitada de pertencimento.

“Quem é você na fila do pão?” — a pergunta, tantas vezes dita em tom de ironia, guarda uma filosofia escondida. Não somos todos personagens numa cena banal, disputando não só o pão, mas também atenção, desejo, carinho, segurança?

Talvez os relacionamentos se pareçam com essa fila.

Uns entram porque querem o cheiro quente da paixão recém-saída do forno; outros, porque precisam da segurança de sempre ter um pão na mesa; há ainda quem esteja ali só para passar o tempo, mastigando qualquer coisa para preencher o vazio.

Mas onde fica o amor, esse raro fermento que dá sentido a tudo?

Estaria ele acima dos interesses ou seria apenas mais um recheio no sanduíche da vida?


Espinosa nos lembraria que todo encontro é força que aumenta ou diminui nossa potência de existir. Nietzsche, por sua vez, nos provocaria: não será o amor muitas vezes um disfarce da vontade de poder — de controlar, de segurar o outro para que não escape?


E, no entanto, o Tao nos sopra uma resposta mais leve: a água não disputa lugar na fila.

Ela apenas flui, contorna, cede, e assim vence. Talvez o segredo esteja aí: amar não como quem exige seu pão de direito, mas como quem compartilha a mesa e descobre que a fome pode ser menor quando o pão é partido em silêncio e cumplicidade.

No fundo, toda relação traz algo de “servidão voluntária”.


La Boétie nos alertava: não é a força bruta que sustenta o domínio, mas o consentimento silencioso. Assim também nos vínculos íntimos: quantas vezes aceitamos migalhas em troca da ilusão de companhia? Quantas vezes calamos desejos para não perder o lugar na fila?

Há quem se curve sem perceber, transformando amor em obediência, e companhia em cativeiro doce. A linha é tênue: entregar-se pode ser alimento; submeter-se, esvaziamento.

A diferença está em saber se o pão é partilhado ou se apenas um come enquanto o outro serve.

Há quem saia da padaria com as mãos cheias e o coração vazio.

E há quem, mesmo de bolso leve, volte para casa nutrido por um gesto simples:

o outro lhe guardou um pedaço.

O pôr do sol no Arpoador também é uma fila.

Turistas, locais, casais, solitários.

Todos aguardam pelo mesmo pão dourado que o céu nos serve sem cobrar nada.

Ali, não há balcão, não há senha — só a lembrança de que algumas coisas, as mais essenciais, não podem ser compradas nem calculadas.

 

E você?

 

 Na fila do pão, no balcão do amor, o que realmente busca:

saciar a fome ou repartir o banquete?

 

                                                                Idalo Spatz

 

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