Se Oriente, Rapaz
- Idalo Spatz
- 8 de set.
- 2 min de leitura
O dia nascia no Arpoador com um sol tímido, filtrado por nuvens e silêncios.
Sentado na pedra, um rapaz franzino olhava o mar como quem procurasse uma resposta — ou uma direção. Mochila gasta nas costas, fone no ouvido, semblante de quem carrega o peso de todas as possibilidades do mundo.
Gilberto Gil sussurrava em seus tímpanos:
“Se oriente, rapaz, pela constelação do Cruzeiro do Sul…”
Mas como se orientar quando todas as rotas parecem incertas?
O que guia um jovem num tempo em que até o GPS perde o sinal da alma?
O mundo quer pressa. A alma, silêncio.
O mundo grita currículo. A alma sussurra sentido.
Nietzsche dizia que “aquele que tem um porquê pode suportar qualquer como”.
Mas, e quando o porquê escapa como areia entre os dedos?
Quando tudo o que se tem são perguntas e uma espécie de fome que
não se sacia com diplomas ou likes?
Ali, diante do Atlântico — esse mestre taoísta que ensina fluidez sem jamais falar —, pensei no que Espinosa chamaria de “conatus”:
a força que em cada um de nós insiste em existir, crescer, afirmar-se.
Talvez seja isso que move o rapaz silencioso:
não a certeza, mas a possibilidade.
A aranha vive do que tece — lembra a canção.
E cada um de nós, mesmo sem perceber, também vive das tramas que escolhe tecer:
um poema, um afeto, um erro bem vivido.
Kierkegaard diria que o salto de fé é o que distingue os que apenas vivem
dos que verdadeiramente existem.
Saltar sem saber onde vai dar.
Estudar filosofia ou teatro.
Viajar num cargueiro lavando porões.
Amar alguém improvável.
Recomeçar do nada.
Porque o Oriente — aquele do título da canção — não é só geográfico.
É também interno.
É o lugar onde o sol nasce dentro da gente.
Onde o sonho de Adão ainda pulsa, mesmo depois de tanta modernidade, cinismo e boletos.
O rapaz se levanta.
Não tem mapa, mas tem sede.
Não tem rota, mas tem vento.
E no céu, disfarçada de poesia, uma constelação invisível o orienta.
Idalo Spatz


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